domingo, 24 de janeiro de 2010

Crônica #25: Portrait

É, a net da praia finalmente decidiu colaborar comigo. Por isso, venho trazer, em primeira mão, o capítulo 25! Espero que gostem :3


Eu fiquei realmente impressionada. Por alguns segundos, eu não soube exatamente o que fazer. Apenas, olhava aquele homem de branco, com um misto de admiração e receio. Sim, admiração. A semelhança era imensa. Pouquíssima coisa o diferenciava de Mikhail, meu noivo, e tamanha era tal semelhança que poderíamos afirmar sem dúvidas que Mikhail seria a reencarnação de Christian Rosenkreuz, se o mesmo houvesse morrido. Mas isso era impossível. Lá estava ele, magnífico, mesmo depois de séculos. Vivo. Apesar de não ser um de meus semelhantes, e nem possuir traços de qualquer outra criatura mística que eu conhecesse - ao contrário, tinha a aparência bastante humana – ainda assim, era um imortal, de fato.

- Parecem cansados. Sinto muito por ter de trazê-los até aqui dessa forma, mas não havia meio mais rápido. Além do mais... Estava ansioso por tê-los comigo – ele sorriu para nós, e era um sorriso verdadeiro, afetuoso. Quase fraternal – Venham. Eu não lhes pretendo fazer mal.

Nós nos entreolhamos, e decidimos nos aproximar, cautelosos. Estávamos esperando pelo pior, afinal, esse era o mesmo homem que ordenara tantas mortes, em nome de suas pesquisas. O mesmo que perseguira o próprio filho, e matava seus descendentes tão logo os encontrasse. Por isso, tomei a dianteira de Roberto e Mikhail na saída, sendo a primeira a ir de encontro a Christian. O imortal me olhou com certo interesse, e me estendeu a mão. Resolvi aceitar o toque, e ver o que viria a seguir. Foi com surpresa que senti sua pele morna, humana, o que deixava claro que não era um ghoul, como os que tínhamos visto. Claro que não.

- Senhorita Von Klaus... Bem-vinda. Espero não estar chateada pela forma grosseira com que a trouxe aqui. Reconheço que não era o meio mais apropriado a uma dama – e levou minha mão aos lábios – Como forma de compensar tamanha falta de tato, oferecerei toda a minha hospitalidade.

Não sabendo exatamente o que dizer, apenas fiz um sinal afirmativo com a cabeça, séria. Em seguida, Christian se dirigiu a Roberto, e ambos apertaram mãos.

- Obrigado por ajudar Mikhail, Senhor Andolini. Sei que a Rosenkreuz é a pesquisa de sua vida, e, por isso, acho que posso contribuir com um pouco do que sei. Mas tudo em seu devido tempo, é claro.

Depois disso, então, ele se dirigiu ao meu noivo, fitando-o por um instante. Mikhail tinha no rosto uma expressão desconfiada, e parecia analisar cada passo de Christian. Estava alerta para a possibilidade de uma nova emboscada, e eu não fui a única a perceber isso. O próprio Christian, percebendo a tensão que se formara, esboçou um sorriso calmo. E então, simplesmente abraçou Mikhail.

- De todos os meus descendentes, você é o mais capaz, o mais inteligente, e o mais valoroso. Mostrou-se digno de todo o meu respeito. Eu o admiro, jovem Mikhail. Espero que possamos nos dar bem. Temos muito a conversar...

Dito isso, eles se separaram, e Christian, com uma expressão cordial, nos convidou a entrar através de outra porta, do lado oposto do laboratório. Fomos subindo por uma escadaria ampla, longa, em um corredor bem cuidado e iluminado. Não podíamos, no entanto, ver a fonte daquela luz, e não havia lâmpadas, ou fiação. O nosso anfitrião percebeu a curiosidade em nós, e foi nos explicando, durante o caminho.

- É Alquimia. Fonte de energia e luz pura, limpa e renovável. Quase eterna, eu diria. Um truque consideravelmente antigo e simples, mas seu conhecimento acabou se perdendo no tempo – ele suspirou, lamentando – Muito conhecimento de valor já foi perdido. Como pesquisador, eu luto para encontrar o que sobrou dos tempos antigos, e preservar tais achados.
- É para isso que aquele laboratório serve? Pesquisas com Alquimia antiga? – perguntou Roberto, incapaz de conter a própria curiosidade. Rosenkreuz sorriu.
- Sim, exatamente. São pequenos projetos, pequenas pesquisas, apenas para coisas simples. Os pássaros, as plantas, a luz... Tudo naquele ambiente foi gerado a partir da Alquimia. É de fato uma ciência magnífica.

Chegamos a uma porta simples, de madeira, por onde passamos, sempre atrás de Christian. No instante seguinte, estávamos numa sala espaçosa, com janelas de vidro amplas, por onde entravam a brisa e os raios do que restava do sol vespertino, já quase posto por completo. Havia uma lareira para os invernos rigorosos, e alguns móveis de madeira que, apesar de antigos, ainda ostentavam luxo e mostravam a fineza dos tempos em que foram adquiridos.
Havia telas a óleo nas paredes, também belas e antigas, e uma delas reconheci como sendo um Rembrandt. Mas essa não era a que mais me havia chamado a atenção. No meio de uma das paredes, solitária, havia pintura uma maior, um retrato de uma moça. Tinha longos cabelos louros e lisos, olhos azuis, pele muito branca, e uma expressão serena. Mesmo sendo um retrato do busto, podia-se perceber que usava um vestido fino, típico das damas nobres de alguns séculos atrás. Era linda. Uma beleza surreal.
Senti-me curiosa para saber quem era, mas não achei próprio perguntar. Tampouco deixei que o nosso anfitrião percebesse a minha curiosidade. Com o tempo, eu esqueceria o rosto daquela jovem misteriosa e bela. Mal eu sabia o quanto estava enganada.

- Eu irei levá-los aos seus aposentos... Acredito que estejam cansados e precisem de um banho antes do jantar. Não se preocupem com nada, mandei que providenciassem roupas limpas e tudo o que lhes possa ser necessário. Por favor, sigam comigo mais um pouco.

Seguimos por um lance amplo de escadas, que ficava à frente da porta de entrada para casa. No patamar superior, além de um bem iluminado corredor principal, que seguia em frente, havia uma bifurcação. Fomos pelo corredor, e, de cada lado, reparei que havia algumas portas. Havia também um vitral enorme e colorido, ocupando toda a parede ao fim do corredor. Paramos em frente à primeira porta da esquerda. Christian virou-se para nós, com uma expressão calma.

- Este será o quarto do Professor Andolini. Espero ser agradável.

Roberto seguiu adiante, abrindo a porta. Um quarto enorme nos foi revelado. Era claro, com paredes, cortinas e lençóis creme. Ele murmurou um agradecimento meio tímido, e entrou no quarto. Em seguida, o imortal nos levou para os dois quartos seguintes, abrindo suas portas, e revelando aposentos igualmente amplos, mas com paredes e lençóis de cores diferentes, nas tonalidades branca e azul claro, respectivamente.

- Este é o quarto da senhorita... – Christian gesticulou, mostrando o aposento - Por favor, sinta-se a vontade. O quarto seguinte fica para Mikhail. Creio que com isso estejam bem estabelecidos. Em duas horas, o jantar estará pronto. Assim, podem descansar um pouco, antes de conversarmos melhor – e sorriu, virando as costas e voltando pelo corredor - Até logo.

Eu olhei para meu noivo, me perguntando se estávamos mesmo seguros. Ele me olhou, determinado, e me deu um beijo na testa, antes de irmos cada um para seu quarto. E eu compreendi que não tínhamos outra escolha, a não ser ficar e ver o que nosso anfitrião desejava de nós.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Crônica #24: Family Meeting

Well, após o recesso de Final de Ano, cá estamos de novo, com mais um capítulo dessa emocionante história! (SessãodaTardefeelings xD) Enfim, apreciem! =***


Já na saída da igreja, após tomar o elevador de volta, eu já quase não podia esconder o meu ódio amargor. Meu semblante traía o sentimento guardado dentro de mim naquele momento. Foi Sophia que me fez libertá-lo em palavras:

_Mika... Está tudo bem..?

_Claro que não está, Sophy! Viajamos de tão longe, por uma pista falsa, e quase morremos nas mãos de uns imbecis, perseguindo uma pista falsa! Eu só queria que isso terminasse logo..._desabafei, um tremor de ódio percorrendo minha bochecha esquerda.

Entrei no carro em silêncio, e assim permaneci, tentando encontrar um sentido, uma resposta. Pela primeira vez me senti exausto, sem forças. Sophia sentou-se ao meu lado e me abraçou em silêncio, enquanto Roberto dirigia de volta para a casa de meus avôs.

Ao passarmos por um pequeno trecho de auto-estrada no caminho de volta, um engarrafamento se formava a nossa frente. Aparentemente, ocorrera um acidente em algum ponto a nossa frente, o que dificultava o fluxo de veículos. Após alguma lentidão, passamos ao lado do local do acidente. Havia uma ambulância, um carro de polícia e o próprio carro capotado, com duas figuras disformes, cobertas com um plástico preto. Engoli em seco.

_Que lástima... _disse Sophia, em voz baixa. Eu, quando vi o resultado do acidente, lembrei-me imediatamente do acidente fatal em que meus pais se envolveram, e senti uma grande dor no peito. Olhei novamente para aquelas figuras ocultas, e algo me chamou a atenção.

Uma mancha avermelhada se destacava no canteiro da estrada, parcialmente coberto pela neve. A forma totalmente simétrica de uma rosa-cruz estampava a neve, em sangue. Um segundo depois, o carro saiu do engarrafamento, e voltou a ganhar velocidade. A mancha, vívida em minha mente, talvez fosse apenas uma ilusão, como em um teste de Rorschach. Ou talvez fosse um sinal, um convite.

_Professor, pegue a próxima saída a direita, na estrada. Vamos pra outro lugar!_disse, saindo do antigo torpor. Se aquilo fosse um sinal, sabia exatamente pra onde ir. O cemitério onde meus pais estavam enterrados.

Pouco depois de sairmos da auto-estrada, e já explicada a súbita mudança de rumo, estávamos seguindo por uma rua pouco movimentada, quando à esquerda destacava-se um longo muro branco. Paramos próximo a um enferrujado portão de ferro, e sem demora, entrei, seguido por Sophia. Roberto, após um sinal-da-cruz, entrou, e seguimos em frente, pelo corredor principal.

Ao longe, avistei a humilde sepultura de meus pais. Caminhei sem pressa até lá, me ajoelhando ao chegar a frente da lápide bem cuidada. O mármore ainda reluzia, e flores brancas despontavam aqui e ali, no gramado. Sempre era fácil reconhecer, pois eu mesmo plantara aquelas flores, as favoritas de minha mãe. Fechei os olhos e fiz uma curta oração, virando-me em seguida para Sophia, que apenas observava.

_Vamos, pelo jeito não tem nada aqui, também.

Quando demos as costas para a lápide, uma voz doce chamou:

_Você demorou a chegar, Mikazinho...

Virei e vi uma garota jovem, de cabelos negros longos, sentada sobre a pedra de mármore. Tinha um sorriso dissimulado nos lábios, que se abriu mais quando cruzei olhares com ela.

_Você tem exatamente os mesmos olhos dele, sabia? Só a aparência que é mais nova... uma gracinha!_disse ela. Tinha uma voz melodiosa e infantil, e vestia-se com uma saia branca com pregas, e uma blusa simples, igualmente branca. Olhava para ela, irredutível. Sophia apertou minha mão junto as suas, um pouco mais forte que o normal. Após raciocinar um pouco, perguntei:

_Afinal, quem é você, e de quem está falando?

_Ele tem te esperado chegar! Ficou chateado por não ter vindo visitar seus pais logo, ao invés de ficar andando em círculos por aí._a garota disse, dando um risinho debochado. Avancei, tentando me aproximar. Já estava sem paciência para discursinhos ou brincadeiras. Queria chegar logo a resposta daquilo tudo.

A garota pôs-se de pé sobre a lápide com um pulo, e disse:

_Bem, ele está a sua espera, então melhor não se atrasarem..._em seguida pôs o indicador e o polegar nos lábios e assobiou um som estridente, porém melodioso.

Tão logo ela tirou os dedos dos lábios, o chão sob nossos pés começou a tremer, como se algo estivesse cavando para cima. Subitamente, mãos sujas de terra, esqueléticas e cadavéricas, agarraram nossos tornozelos com força, nos imobilizando.

_Mas o que..?_Exclamei, olhando assustado para a menina, que mantinha o doce sorriso nos lábios. Disse, piscando um olho:

_Nos vemos lá, gracinha!

Ela permaneceu parada, porém nós começamos a nos mover para baixo. As mãos nos puxaram com força para baixo da terra, por três buracos distintos. Fechei os olhos e chamei por Sophia e Roberto, e ouvi suas vozes distantes, ecoando embaixo da terra. Logo porém me calei, depois que um pouco da terra entrou em minha boca. Mantive os olhos fechados durante toda a viagem, que durou um tempo incontável, e ao mesmo tempo foi muito rápida.

Fomos jogados os três juntos em um largo túnel, em frente a uma grande porta dupla. Ao olharmos para trás não vimos mais sinal das terríveis mãos que nos trouxeram, além dos buracos por onde tínhamos sido lançados. Dei de ombros após sacudir a terra das roupas e do cabelo, e disse:

_Bem, parece que somos mesmo esperados... melhor irmos..._e avancei para as portas, a paciência há muito esgotada. Às minhas costas, Roberto disse:

_Por que sempre temos que vir parar embaixo da terra?

Sophia suspirou, exausta, enquanto eu empurrava a porta pesada com ambas as mãos. Lá de dentro, uma grande e inesperada claridade nos cegou por um momento, e o som do canto de pássaros invadiu nossos ouvidos. Uma voz familiar então clamou, tranqüila:

_Sejam bem-vindos, crianças. Sintam-se a vontade, enquanto termino de cuidar das plantas.

Quando me acostumei com a claridade novamente, vi de quem era a voz. Um homem alto, pouco mais velho que eu regava alguns vasos com plantas frondosas. Raios de sol vespertino entravam por um quadrado de vidro, colocado no teto, sobre as plantas. O resto da luz, mais clara, não tinha fonte específica à primeira vista, mas estava mais interessado na figura abaixada sobre as plantas.

Vestia-se com uma roupa simples e longa, totalmente branca, como boa parte do ambiente. Suas roupas destoavam muito de seus cabelos negros, e quando virou-se para nós, o choque foi terrível.

Tinha a minha forma, mais sério e austero. Mais experiente e com certeza, ainda mais depois de eu ter descido pela terra, mais limpo. Seus olhos, diferente dos meus, eram de tonalidade mais clara, e não traíam qualquer emoção. Deixou o regador de lado e disse, fazendo uma breve reverência:

_Muito prazer, crianças. Eu sei que estiveram procurando por mim. Pois bem, aqui estou. Sou Christian Rozenkreuz.