segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Crônica #19: Another Meeting

Muito bem... Mais um capítulo novo saído! Na verdade, há uma ou duas semanas que ele está pronto, mas é isso mesmo. Tanta coisa pra fazer em tão pouco tempo... Próxima vez já postamos assim que sair, e será com exclusividade, então, visitem o blog, se quiserem saber o resto da história (isso mesmo, meninas! Nada de pen drive! Viva a revolução!) =P
-> Obs.: Eu já devia ter posto isso aqui, por sugestão das minhas amigas, mas acabei esquecendo, mas agora vai: Atenção, esta série começou a ser escrita ANTES dessa "crepusculomania". Então... Somos originais, a tal autora que nos imitou u.u
-> Obs. 2: Estou "adornando" o blog (isso mesmo, "adornando"... Enfeitar é coisa de pobre). Já coloquei um contador de visitas fofo, bem como um reloginho. Vou arrumar mais coisas pra colocar, assim que der tempo. Então, façam a parte de vocês! Os números do contador só mudam com visitinhas! <3






- Vamos. Vai ser divertido. Você conhecerá minha família, Sophy. Tenho certeza que irão gostar de você.

Mas não importava. Nada do que ele dissesse me faria sentir menos ansiosa. Estava assim desde a manhã, depois do café no hotel, ainda em Sarlat-la-Canèda. Quando decidimos de fato ir a Kiev, meu noivo animadamente sugeriu uma pausa na casa de seus avós, para uma visita. E agora, no avião, quase chegando ao nosso destino, eu ainda me sentia tensa.

- Veja pelo lado bom – Roberto, que estava na fileira da frente, se virara para trás, em nossa direção – Não precisaremos pagar um hotel.
- É verdade – Mikhail sorriu, tocando minhas bochechas – Eles ficarão felizes em nos receber. Já há algum tempo, inclusive, que me pedem para visitá-los.

Eu balancei a cabeça, em sinal afirmativo. Sim, nós iríamos vê-los. Mas isso ainda me deixava meio nervosa. Afinal, essa era também a primeira vez que eu ia a um lugar onde só havia humanos. Eu não sabia exatamente como devia me comportar, para que eles não percebessem a minha natureza e ficassem com medo. Ou pior: que fossem contra o noivado.
Como que lendo meus pensamentos, Mikhail apenas segurou minhas mãos entre as dele, encostando a cabeça na minha.

- Vai ficar tudo bem... Apenas seja você mesma.

Eu sorri, tranqüilizada. E aí, pousamos. Em Kiev.

Meu noivo estava visivelmente contente por estar em casa. Deu rápidas instruções em ucraniano ao taxista, e logo estávamos em frente a um sobrado, em um bairro calmo e arborizado. Não era tão grande, mas tinha uma fachada delicada e muito bonita. Saltamos do táxi com nossas malas, atravessando o pequeno jardim à frente do sobrado, em direção à porta.
Engoli em seco, enquanto Mikhail tocava a campainha. Em um instante, uma senhora idosa de aspecto adorável abriu a porta, e sorriu feliz ao ver a visita. Aquela era, sem dúvidas, a avó.

- Meu menino! – e abraçou Mikhail, animada – Sabíamos que viria, mas não tão cedo. Trouxe amigos, não? – e olhou para mim e Roberto, com um sorriso afável – Por favor, entrem!

Nós entramos, fechando a porta atrás de nós. Um senhor também veio nos receber, abraçando meu noivo e acenando para nós.

- Sophy, Roberto... Estes são meus avós, Marie e Dimitri Stravinsky. Vovô e vovó... Meu colega de pesquisas, Roberto Andolini... E esta... – Mikhail me pegou pela mão, me conduzindo gentilmente para perto – É Sophia Von Klaus... Minha noiva.

Eu corei levemente, sem graça, enquanto o casal idoso me olhava com atenção. Prendi a respiração, esperando por uma reação negativa. Mas então, ambos me abraçaram forte, sorrindo amavelmente.

- Seja bem-vinda – sussurrou para mim a Sra. Stravinsky, com a voz acolhedora.
- È uma bela moça – disse o Sr. Stravinsky, indo para o lado de Mikhail – Tenho certeza que escolheu a garota certa. Ela deve ser muito especial.
- Sim, ela é – ele respondeu, sorrindo pra mim.
- Bom, a casa está limpa, e o jantar, quase pronto. Por que não se acomodam em seus quartos? – sugeriu a senhora, soltando-se de mim – Eu irei levá-los até eles.

Ela subiu as escadas, e nós a seguimos, levando nossas malas. Paramos em frente a um quarto simples, com uma cama, criado-mudo e armário, as paredes e cortinas brancas.

- Este é o quarto de hóspedes. O jovem pesquisador pode ficar aqui.

Roberto agradeceu e adiantou-se, entrando para arrumar as coisas. Enquanto isso, a senhora nos levou ao quarto vizinho. Ele tinha paredes brancas, cortinas azuis, e, além da cama, um armário com muitos livros, um computador, e mais alguns objetos. Mikhail deu um sorriso largo, entrando e colocando sua mala em um canto.

- Está exatamente como deixei. Obrigado, vovó.
- Por nada. Cuidei para que fosse limpo, mas sem mudar as coisas de lugar. Sabia que gostaria.
- Obrigado mesmo...
- Bom... – ela virou-se para mim, calma – A jovem Sophia pode ficar aqui com o Mikhail. É uma bicama, e você pode usá-la e ficar aqui com ele.

Eu sorri, agradecendo, e coloquei também minha mala no quarto, enquanto acertávamos mais detalhes da organização. E assim, estabelecemo-nos em Kiev. Na casa de minha nova família.

domingo, 18 de outubro de 2009

Crônica #18: Go Home

De volta, pessoal! Desculpem a minha ausência, mas tive coisas da faculdade e trabalho pra resolver, por isso tive que deixar tudo na mão da Pris. Com certeza ela cuidou muito bem de tudo! Bom, novamente peço desculpas, e espero não ter mais que me ausentar! Enfim, aproveitem a crônica^^'':


Sorri, entre o triunfante e o perturbado. As coisas se encaixavam bem até demais. Disse aos dois, ajeitando os óculos no rosto:

_Finalmente, a ligação que faltava comigo...

Sophia me olhava, quieta. Por um momento, todos ficamos em silêncio, pensando sobre tudo o que havíamos acabado de descobrir. Um silêncio incômodo, que, após algum tempo, foi rompido por minha noiva.

_Então... Teremos que ir pra Ucrânia! Lá, com certeza vamos descobrir mais sobre os Brunetière. Mais sobre você, Mika...

Roberto coçava o queixo. Parecia imerso em pensamentos, então eu prossegui:

_Bem, podemos ir para Kiev, mas... Ainda tem mais para se procurar aqui, eu acho...

Procuramos, por entre as páginas amareladas dos livros e documentos antigos. Encontrei o nome Brunetière em mais alguns registros, e um endereço. Talvez fosse a casa onde viveram. Perguntamos para um funcionário, que prontamente nos atendeu, respondendo que ali só existia um hospital. Ao verificar um arquivo sobre o hospital, engoli em seco.

Uma foto tirada de um satélite mostrava o complexo de prédios que formavam o hospital, e ali estava. Uma perfeita Rosa-Cruz. Ao mostrar para Roberto, ele disse, em voz baixa:

_Queima de arquivo, é claro! Pago o almoço de quem adivinhar quem bancou a construção desse hospital...

Não era preciso responder. Olhamos para mais algumas fotos de arquivo do hospital, até mesmo no símbolo dele, encontramos uma referência a Kreuz e seu filho. O logotipo mostrava um grande sol com uma rosa no centro, iluminando uma pequena muda de uma frágil planta.

“Sua semente germinou, Rozenkreuz...” Pensei, saindo da biblioteca. Não iríamos viajar no mesmo dia, portanto decidimos voltar ao hotel, para mais um brainstorm. Procuramos por mais referências e simbologias. Procuramos localidades, possíveis pistas. Nada, apenas pequenas coisas. Realmente, a casa dos Brunetière fora onde o hospital foi construído, anos mais tarde.

_Nada!_disse Roberto, ao lançar a última cópia tirada do registro da cidade no lixo. Suspirou, levantando-se, e foi para seu quarto, arrumar as malas. Decidimos por ir para a Ucrânia na manhã seguinte. Não havia mais razões para ficarmos ali. O único remanescente tinha sido varrido, e agora era dirigido, provavelmente, por um Rosa-Cruz remanescente.

Preparei minhas malas, também. Guardei minha espada na caixa de meu violino, organizei as roupas, anotações e outros objetos, e então me deitei. Sophia já me esperava, sentada na beira da cama, a expressão meditativa. Ao me ver, sorriu e deitou-se junto a mim. Adormecemos bem rápido e eu, mais uma vez, sonhei.

Minhas mãos amassavam um pequeno pedaço de papel. Meu coração sentia uma fúria intensa, inumana. Eu havia perdido algo. Mais de uma vez. Deixei-o escapar por entre meus dedos. O último remanescente de meu maior pecado, o maldito, de sangue impuro. Carregaria para sempre minha chaga, o sangue impregnado com a mácula que causei. Meu filho, minha linhagem, a herança de meu sangue. Maldição.

Acordei, suando frio. Era como se eu tivesse falado comigo mesmo. Ou melhor, se Christian estivesse falando comigo. Eu era maldito, era parte de sua linhagem. E continuaria passando seus genes sempre em frente. Filhos do pecado? Quem se importa! Acariciei os cabelos de Sophy lentamente, e caí no sono, só acordando na manhã seguinte, com Roberto batendo em nossa porta.

_Ei, vocês dois! Acordem, precisamos ir agora!

Levantei-me da cama, um pouco atribulado, com Sophia em meu encalço. Nos arrumamos o mais rápido possível, e descemos para tomar o café da manhã. Roberto já estava na mesa, um jornal nas mãos. Ao nos ver, ficou afoito, e nos mostrou uma notícia da seção “mundo” do jornal. Uma foto de uma igreja em chamas, onde se lia:

“Catedral de Santa Sophia, de Kiev, em chamas na noite de ontem. Provavelmente causado por incêndio criminoso. Autoridades em alerta para possível incendiário.”

Ao terminar de ler, passei para Sophia, que leu, atônita. Ao final, disse:

_Alguém não nos quer lá, pelo jeito...

_Então é pra lá mesmo que nós vamos..._Respondi, amassando o jornal com as mãos. Direto para Kiev. Direto pra casa.

sábado, 3 de outubro de 2009

Crônica #17: His Son

França. O nosso novo destino apenas nos mostrava a extensão dos tentáculos da sociedade fundada por Christian, a Rosenkreuz. E esse não era exatamente um passeio turístico.
Fechamos a nossa conta no hotel assim que voltamos da biblioteca, e tomamos o primeiro trem até Paris. De lá, pegamos um táxi de viagem até a cidade que vimos nos registros, no sudoeste da França, a região que chamam de Gasconha. Nosso destino, a pequena cidade de Sarlat-La-Canéda. A viagem foi rápida, e logo nos estabelecemos em outro hotel, saindo assim que organizamos as bagagens, ávidos por novas pistas.

- Acho que aqui eu posso guiá-los – falava Mikhail, enquanto andávamos – Eu passei algum tempo em Paris, estudando, e vim algumas vezes aqui, por recomendação de meus avós. Conheço a maioria das ruas.
- Então... Aonde vamos? – perguntei, olhando ao redor, curiosa.
- Vamos à prefeitura, saber se guardam registros de viajantes ou os nomes das famílias mais tradicionais da época. Devemos achar alguma coisa.

Seguíamos entusiasmados, enquanto conversávamos em voz baixa sobre o rumo que nossa busca estava tomando. Durante a viagem no trem até Paris, havíamos levantado a hipótese de que o filho de Christian e sua esposa Laura devia ter sido mandado para a cidade acompanhado. Provavelmente por algum conhecido que soubesse exatamente para onde estava indo. Com um pouco de sorte, poderíamos descobrir o paradeiro dessas pessoas.
Não pude deixar de reparar como era uma cidade linda. Havia inúmeras construções com fachadas em estilo renascentista, e muitas pessoas andavam pelas ruas, ou conversavam nos cafés. Roberto comentou que a cidade havia sido declarada patrimônio mundial, por ter sido conservada por tanto tempo do mesmo modo como fora construída. Desde então, serviços de restauração são feitos, com a preocupação de manter as antigas construções.
A prefeitura ficava num prédio no mesmo estilo antigo. Lá dentro, fomos recebidos diretamente pelo prefeito, um senhor magro de meia idade, mas muito animado.

- Ah, jovens turistas! – exclamou, apertando as mãos de Mikhail e Roberto, e beijando a minha gentilmente – Sejam bem-vindos! E então, estão gostando da estadia?Esta é mesmo uma bela cidade. É pacífica, mas bastante interessante, para quem gosta de história. Esta é, aliás, a razão pela qual recebemos a atenção dos turistas. História! Mas ah, como é trabalhoso preservar os edifícios... Ainda mais quando jogam lixo por aí... Alguém precisa educar esses turistas.
- Ahn... Senhor prefeito? – Roberto o chamava, sem querer arrancá-lo de seu devaneio de forma grosseira.
- Sim? Oh, tinham algo a perguntar. Pois bem, perguntem!
- Nós viemos aqui exatamente atrás da história em si. Eu sou historiador, e estamos pesquisando sobre as tradições locais e as famílias mais antigas da França. Sabe se podemos encontrar alguns documentos antigos? De três ou quatro séculos atrás?

O prefeito pensou um pouco, sentando na cadeira de seu gabinete. Logo depois, sorriu para nós.

- Claro! Que ou me lembre, temos alguns arquivos organizados por historiadores locais, em um centro de pesquisas anexo ao governo. Neles, acho que podem encontrar aquilo que procuram.

Ele nos entregou um papel, onde escreveu o endereço do lugar para onde íamos.

- Podem ir. Está aberto a essa hora, mas deve fechar em breve. Não fica ,muito longe, mas é bom correr. Boa sorte!

Com isso, nos despedimos do prefeito, e rumamos para o centro de pesquisas, a duas quadras dali. Era um prédio pequeno, com portas de vidro, e ainda estava aberto, apesar de não haver muito movimento lá dentro. Falamos com a moça da recepção, que nos encaminhou para uma sala especial, que guardava os arquivos mais antigos da cidade. Fomos obrigados a usar luvas e legar pinças para poder tocar os documentos, por sua idade e fragilidade.
Uma vez devidamente equipados, entramos, e começamos a procurar os arquivos da época da Rosenkreuz. Não demorou tanto para acharmos o que procurávamos, em uma pequena pasta entre tantas outras, pega por meu noivo. Ele nos chamou, assim que encontrou os papéis certos.

- Sophy, Andolini... Achei.

Fomos rapidamente para a mesa onde Mikhail estava sentado, olhando o que ele encontrara.
Um pedaço de papel amarelado, com uma caligrafia caprichada em tinta preta, apontando nomes de pessoas, datas, e lugares. Era uma folha de um diário de bordo. A essa altura, eu já estava me acostumando às “premonições” de Mikhail. Provavelmente, já tinha uma idéia do que procurar. Ele apontou uma seqüência de nomes de três pessoas: um casal, e uma criança. O garoto David Kreuz. Com ele, dizia o papel, estavam seus responsáveis, o senhor e a senhora Brunetière. Andolini ficou lívido.

- Os Brunetière...
- Você sabe quem são? – perguntei, passando os olhos pelas informações na lista.
- Claro... Vi esse nome nos livros que peguei no subterrâneo, em algumas páginas. Inicialmente, achei que fossem pessoas importantes na Sociedade, mas, mais que isso... Além de grandes cientistas, eles eram amigos íntimos de Christian.
- Logo, também de Laura... – completei a sentença, pensando como de repente tudo fazia mais sentido – Laura Kreuz pediu a seus amigos, o casal Brunetière, para irem para a França com seu filho, antes de morrer. Não... Ela deve ter pedido para eles fugirem, caso acontecesse algo com ela. E, assim que souberam da morte de Laura, eles escaparam. Christian estava ocupado... Só reparou no sumiço dos Brunetière, com seu filho, muito depois de eles irem embora da Itália.

Mikhail olhava sério o papel. Ele terminou a cadeia de raciocínio, enquanto copiava, em uma folha a parte, a informação que seria necessária para nós.

- E então, Christian organizou sua situação em Veneza, após a morte da esposa, o mais rápido que pôde. Deu fim a tudo que poderia ligá-lo ao resto do mundo. O próximo passo, então, seria ir atrás de seu filho. Provavelmente, para extinguir do mundo o único remanescente de sua existência. Ele queria se isolar. Mas eu não acho que tenha sido apenas por causa da morte da esposa...

Ele se levantou, organizando os papéis novamente na pasta, e guardando sua cópia escrita no bolso. Olhou para mim e Roberto, com um brilho intenso nos olhos.

- Eles não estavam mais aqui quando Christian chegou. Pegaram um navio. Atravessaram o Mediterrâneo, em direção ao Mar Negro, e passaram pelo Bósforo. O destino era o antigo Reino da Polônia, ou, como chamamos hoje... Ucrânia.

Crônica #16: Family Traces

Corri o mais rápido que pude, quando achei ter encontrado a lápide do sonho. Corri por entre os túmulos, sem medo de acabar pisando acidentalmente em algum deles. Ao fim da corrida, lá estava, a lápide que segurara na noite anterior. Retirei o musgo, que se acumulou em cima do nome, em uma mescla de desespero e ansiedade.
Sophia, que tivera mais cuidado ao pisar na casa dos mortos, chegara, e agora olhava para aquela lápide, apreensiva do que poderia ter chamado a minha atenção. Roberto sentara-se em um mausoléu próximo, e observava à distância. Quando terminei a limpeza, pude ver claramente o nome gravado naquela pedra. “Laura Kreuz, cientista, esposa e mãe carinhosa. Eternamente Bela”, a data de seu nascimento e morte.
Ao terminar de ler a escritura, li novamente. Não foi nem o fato de essa Laura ter o meu sobrenome que me assombrou, mas sim a palavra mãe, gravada no mármore. Chamei minha noive e Roberto para verem, e Roberto pôde explicar o que eu mais ou menos sabia:
_Laura foi a esposa de Christian. Aquela mesmo, que dizem que ele matou. Mas o que me chama a atenção é esse “mãe”. Não sabia disso.
Dei de ombros e disse, me levantando:
_Imaginei que fosse a esposa dele, mas também não sabia que tiveram um filho. Talvez ele seja um dos meus antepassados. Mas enfim, onde podemos encontrar mais sobre isso?_ e, antes que o professor pudesse responder, e vendo o rosto intrigado de Sophia, concluí _Não Sophy. Eu não faço idéia de como sabia dessa lápide. Simplesmente... Encontrei...
Sophia segurou meu braço e disse quase num sussurro:
_ Isso me assusta, Mika...
Antes que pudesse replicar, Roberto interrompeu, com uma idéia:
_Talvez na biblioteca municipal, possamos encontrar registros de pessoas da cidade, como essa “família Kreuz”, quem sabe?
Assentimos, e tomamos um táxi até a biblioteca. Uma curta viagem, a lá estávamos. Fomos orientados pela simpática bibliotecária, que nos mostrou o caminho até os arquivos antigos. Em uma grande sala empoeirada, utilizamos da única ferramenta para buscas: Um computador pré-histórico. Começamos pelo mais óbvio. “Kreuz”. Nenhum resultado, e um Roberto reclamando “Acham que já não fiz isso?”. Procurando por “Laura”, encontramos algumas centenas. Limitando para a época que a nossa Laura nascera, os resultados foram poucas dezenas. Registros de casamentos, talvez.
Fomos até a seção de registros de casamento, e lá estava o casal Laura Castella e Christian Kreuz. Com o nome de solteira de minha provável antepassada, voltamos ao velho computador. Encontramos identidade, registro de nascimento, e finalmente, maternidade. “David Castella Kreuz, filho de Laura Kreuz e Christian Kreuz”. Estranhamente, pelo computador, não era possível encontrar qualquer resultado, ao digitar “Kreuz”. Mas os arquivos estavam todos lá. Perdidos, em uma salinha suja.
_Não me lembro de nenhum parente chamado David... _disse, relendo a certidão de nascimento do filho de Christian. Roberto replicou, guardando alguns dos arquivos em suas prateleiras:
_É, um pouco difícil, já que faz tanto tempo... Achou mais alguma coisa, Sophia?
_Algo interessante, aqui. Registro de matrícula em um internato na Gasconha._ Ela respondeu, os olhos ainda no documento. Cocei a cabeça e perguntei, mais pra mim mesmo do que para os outros:
_Próxima parada, França?
_Faz sentido. Christian pode ter matado sua esposa, matado seus seguidores no laboratório, e fugido para a França, para ir buscar seu filho. Afinal, seus laços de influência se estendiam já por toda a Europa. Teria aliados na Gasconha, com certeza_ Disse Roberto, começando a se animar com a nova pista. Sophia disse então, com um sorriso radiante nos lábios:
_Próxima parada, França!

Crônica #15: The Crying Tree

- Bom dia, querido!

Mikhail piscou os olhos com força, e depois sorriu para mim, ainda meio sonolento. Eu já estava pronta para sairmos de novo, e havia pedido para servirem nosso café-da-manhã no quarto. Ele sentou na cama, olhando a bandeja que eu pusera em seu colo.

- Café-da-manhã na cama?
- Sim – falei, sentando ao lado dele, e lhe dando um beijo na bochecha – É um agradecimento por ontem. Eu já estou quase curada – e afastei um pouco a blusa que usava, exibindo, no lugar onde fora feito o ferimento, apenas um pequeno arranhão.
- Obrigado... – ele sorriu, meio sem graça, enquanto se servia de uma fatia de torrada com geléia de morangos – Mas como conseguiu se curar tão rápido, Sophy? Quero dizer, ontem estava muito pior...
- Ah, isso... – eu suspirei – Bom, eu dormi bem, e também teve o seu sangue. Acho que, além da quantidade relativamente grande que tomei, ele ajudou na recuperação de forma decisiva. Ao que parece, ele demora um pouco mais para ser absorvido pelo meu corpo, mas os resultados são incríveis. Sem ele, uma ferida de tamanho igual só sararia em quatro ou cinco dias... Então, obrigada.

Mikhail tocou meu rosto suavemente.

- Eu fico muito feliz por ter ajudado. Eu só queria que ficasse bem, Sophy...
- Eu sei... Obrigada, de verdade... – encostei a cabeça no ombro dele, fechando os olhos – Mas sabe, Mika... Tem algo me incomodando, em relação ao seu sangue...
- Sim?
- Essa propriedade de cura dele em mim. Há algo que produz um efeito muito semelhante, embora eu nunca tenha experimentado...
- E o que é essa coisa, Sophy? – ele me ofereceu uma torrada com geléia, que peguei e mordi, engolindo antes de prosseguir.
- Sangue de vampiros. Há registros literários sobre o que o consumo do sangue de outros vampiros pode nos causar. São relatados maiores índices de vitalidade, ganho de novos poderes e aumento nas capacidades de recuperação e cura. No entanto, essa prática foi, há muito tempo, proibida, e é, hoje, um tabu. Um problema ético. Mas pensar nessa possibilidade implica numa série de incoerências. A começar pelo fato de você ser humano... Não um normal, mas, ainda assim, um humano.

Mikhail olhou para o armário, onde estava a sua nova espada, tomou um gole de suco, e suspirou.

- Se eu não sou um humano, e nem um vampiro... O que eu sou?

Eu sorri, abraçando-o.

- Um ser indefinido? Eu não sei. É por isso que estamos aqui. Para descobrir sobre você.

Ele também me abraçou, sorrindo.
Tendo feito todos os preparativos e finalmente prontos, fomos até o saguão de entrada do hotel, onde encontramos Andolini, que também acabara de sair do quarto.

- Bom dia, vocês! Já decidiram o tour de hoje?
- Acho que sei aonde podemos ir... – falou meu noivo, pensando – Há algum cemitério antigo por aqui?
- Antigos, hum... Da data a qual nos reportamos e que continue numa localização acessível, apenas um. E mesmo assim...
- O que?
- Já foi um lugar fantástico. Apenas elite e pessoas importantes da época. Mas hoje, ele foi esquecido. Só há ruínas. Mas não há erro, é para lá que vamos.

Fomos para fora do hotel e pegamos um táxi, indo ao subúrbio. O passeio nos levou ao lado oposto da cidade, num bairro mais alto e com poucas casas, todas em estilo antigo. Descemos em frente a um casarão arruinado pelo tempo, e fomos andando até os restos de um portão enorme, de ferro, preso a duas colunas de pedra gasta, um pouco recuado da estrada.
Andolini empurrou o portão que, com um rangido, se abriu, exibindo uma área plana, com túmulos encobertos por capim, mas, pelo que era possível perceber, ricamente adornados, no passado. Hoje, eram apenas uma sombra do que já foram.
Olhei ao redor, distraída, andando lentamente entre as lápides. Enquanto isso, Roberto murmurava uma prece aos que jaziam esquecidos naquele campo. Notei Mikhail inquieto, subindo na ponta dos pés, e olhando para os lados. Procurando por algo que já sabia o que era.
Não demorou até ele achar esse algo. E correu. Em direção a uma lápide isolada, à sombra sinistra de um grande salgueiro. Um salgueiro que parecia chorar.

Crônica #14: Fear

Eu ouvia o barulho abafado do chuveiro, enquanto organizava as coisas que pegamos em nossa investida àquele laboratório. Após algum tempo observando a bela espada que descobrimos, decidi fazer uma surpresa para Sophia. Liguei para a recepção do Hotel, pedindo por uma essência de rosas para o banho de minha noiva. Certamente ela adoraria.
Quando a essência chegou, entrei cuidadosamente no banheiro, e então vi a cena terrível: Sophia, a pele branca à mostra, caída no banheiro, o sangue tingindo a água de vermelho, enquanto descia pelo ralo. Corri a ela, verificando sua pulsação. Estava inconsciente, mas tinha pulso e respiração. Peguei-a nos braços cuidadosamente, tão nervoso que estava nem me preocupei ao ver seu corpo. Coloquei-a na cama, cobrindo seu corpo com uma toalha. Os ferimentos, eu pude perceber ali, não fechavam, mesmo com as capacidades curativas naturais de um vampiro. Seria necessário dar alguns pontos, para auxiliar na recuperação. E foi o que decidi fazer.
Encontrei o necessário em minha mala. Agulha, linha, água, panos limpos. Fechei os olhos, respirei fundo, e então comecei. Desinfetei o local do ferimento, e, tremendo, iniciei o procedimento.
_Ah, Deus... Sophy, me desculpe... _repetia para mim mesmo, enquanto a agulha perfurava a pele de minha noiva. Pouco a pouco, fui fazendo os pontos, unindo novamente a pele rasgada. Ao fim, cortei o restante da linha, e fiz uma compressa na testa de Sophia, pois havia um pouco de febre. Deitei-me ao seu lado, fechei os olhos e pedi, como nunca havia pedido antes, pela recuperação de Sophia.
Após algum tempo de desespero e medo, abraçado à Sophia, acabei adormecendo. E, novamente, sonhei...
Estava em um cemitério, ajoelhado em frente a uma lápide. Os dois anéis de Safira reluziam em minhas mãos, enquanto eu segurava firmemente a lápide. Encostei a testa na pedra fria e disse, um sorriso maligno na face:
_Você serviu perfeitamente aos meus propósitos, meu bem... Você me deu tudo! Tudo que eu sempre desejei... É uma pena que não possa mais me ver, querida. Espero que esteja orgulhosa.
Ouvi um trovão. Uma tempestade se aproximava. Ouvi passos, muitos passos. Estavam atrás de mim. Ergui-me imponente, a capa preta que usara mais cedo na reunião ainda impecável. Montei em um cavalo e fugi, para longe dali. Para a obscuridade...
Acordei tranqüilo, sem sobressalto, porém perturbado como sempre. Não tinha conseguido ler o nome na lápide, mas sabia que Christian tinha fugido dali. E, percebia agora, Sophia também.
Levantei-me, olhando ao redor. Sem sinal dela. Foi quando a porta do banheiro se abriu, e ali estava ela, linda como sempre, um suave perfume de rosas permeando o ar. Corri a abraçá-la, acariciando suavemente seu rosto.
_Sophy... Como está se sentindo?
_Bem... Foi apenas um mal-estar. Obrigada por ter cuidado de mim, Mika.._ela dizia, a voz ainda um pouco fraca.
_Deus, eu fiquei tão preocupado... Eu não sabia o que fazer... Eu...
Sophia me silenciou com um beijo suave e demorado nos lábios. Abracei-a com cuidado, passando os dedos por seus cabelos ainda molhados. Ela agora vestia um robe com pequenas flores bordadas e sorria, olhando em meus olhos. Disse-me, os olhos ainda fixos:
_Desculpe-me tê-lo preocupado, Mika... Naquela hora eu ainda estava enfraquecida, só precisava descansar. Acordei quando já me sentia melhor, e decidi ir terminar o meu banho, enquanto você dormia...
Mais calmo, eu apenas pude sorrir, e colocar meu rosto junto ao dela. Sentia o perfume doce de rosas que exalava de seu corpo, e beijei seu rosto com carinho.
_Eu Amo você, Sophy... E percebi, que se for embora, eu não saberei mais o que fazer. Sem você eu perco o rumo, para sempre...
Uma pequena lágrima desceu pelo rosto de minha noiva, que segurou firmemente em minha mão. Ela então respondeu, me puxando, de volta para a cama:
_Não se preocupe, Mika... Eu nunca deixarei de estar ao seu lado. Sempre estarei junto a ti, porque eu também te Amo.
Sorri, deitando-me novamente, com Sophia ao meu lado. Abraçamo-nos, e pude perceber, então que de fato, Sophia era uma vampira imortal. E eu, apenas um humano com tempo limitado. Nunca havia pensado nisso, ou aceitado essa idéia. Mas, de súbito, ela pareceu tão próxima, tão fria. Eu precisava encontrar um meio, para poder ficar junto de Sophia, até o fim dos tempos. Mas não ali, não naquele momento.
Fitava o teto, um pouco desligado, e então Sophia deslizou para o meu peito, apoiando a cabeça ali. Eu passei então a acariciar seus cabelos lentamente, enquanto minha mente tentava conceber uma fórmula de imortalidade. Talvez encontrar um vampiro de sangue puro, e fazer com que ele me morda. Ou encontrar algum outro jeito. Isso acabara de se tornar um objetivo. Uma obsessão se fosse preciso.
“Eu juro que encontrarei um meio de estar contigo para sempre, Sophy...” Pensei e suspirei, quando fui cutucado nas costelas por ela, que disse a voz baixa, um sorriso nos lábios:
_E quem deu ordem de você entrar no banheiro enquanto eu tomava banho, hein? Só pra me olhar, não é?
E começou a fazer cócegas em minhas costelas, me tirando de vez daquele devaneio. Ria alto, enquanto acompanhava Sophia em sua brincadeira. E sem que tivéssemos percebido, nosso Amor se intensificara naquela noite, como nunca antes. Tornou-se ainda mais forte, mais necessário para a nossa existência. Talvez fosse nos momentos de maior dificuldade que percebemos o quanto aqueles junto a nós nos são importantes.
De qualquer forma, após alguns momentos divertidos, acabamos adormecendo novamente, só despertando na manhã seguinte, totalmente revigorados.

Crônica #13: Weakened

O que eu fiz...? Quando voltei a mim, estava sentada no chão frio de pedra do salão, com um gosto ferroso conhecido na boca, e um Mikhail de olhos fechados deitado em meu colo. Passei os dedos com cuidado pelo rosto dele, e este abriu um pouco os olhos. Estava visivelmente enfraquecido. E eu o abracei, porque sabia que era a maior responsável por isso.

- Eu sinto muito, Mika... Eu não pude te proteger, e, ainda por cima, eu...

Ele sorriu, amável, apesar da dor que devia sentir, e passou um dedo pelo meu queixo, provavelmente limpando algum resquício do sangue que eu lhe tomara. Eu me curvei, olhando, em seu pescoço, as duas pequenas marcas feitas por minhas presas, e passei devagar a língua por elas, beijando-as em seguida. Elas sumiram, e eu agradeci por esse pequeno dom dado aos de minha espécie: a capacidade de curar as incisões que nós mesmos fazíamos.
Peguei a minha adaga, que estava ensangüentada, no chão, e guardei-a. Roberto, que estivera olhando a estante de livros, voltou com um grande volume.

- Um verdadeiro achado! – dizia ele, que, mesmo cansado pela luta, ainda não perdera o entusiasmo – Mas acho bom irmos agora, precisamos nos tratar e descansar.

Ele estava certo. Estávamos todos machucados e exaustos. Roberto podia ser eufórico algumas vezes, mas ele tinha bom senso; o suficiente para não fazer perguntas naquele momento, pelo menos.

- Consegue levantar, querido? – perguntei a Mikhail, em tom ameno.
- Sim... Só preciso de um pouco de ajuda.
- Andolini, por favor.
- Claro...

Eu e o pesquisador apoiamos, sobre os ombros, um dos braços de Mikhail cada um, e o ajudamos a se erguer. E foi ele quem nos indicou, no fundo da sala, uma caixa coberta por um tecido grosso.

- Preciso ir até lá antes de irmos embora, Sophy...

Nosso trio andou, junto, até a caixa. Em frente à mesma, Roberto tirou o tecido de cima, revelando uma espécie de baú de mármore branco, o mesmo da porta por onde entramos. Havia, encravado na superfície lisa, um símbolo da Rosa-cruz. O historiador tentou abrir, mas a tampa não cedia nem um milímetro. Então, meu noivo abaixou um dos braços, e tocou o engaste. Sendo ele móvel, girou-o algumas vezes para a direita, e tantas outras para a esquerda. Quando estava satisfeito, puxou-o para cima. E a tampa se destravou.

- Mika... Como sabia que era uma trava? E... Como sabia a seqüência certa?
- Eu só senti, Sophy...

Ele levantou a tampa, e, lá dentro, havia uma espada. Uma espada prateada, o punho em prata e mármore branco, com um desenho da Rosa-cruz azul, que, observamos depois, era cravejado de pequeníssimas safiras. A lâmina, não muito grossa, continha algumas inscrições gravadas, provavelmente na mesma língua estranha sibilada pelos minions. Havia também uma bainha para ela, de algum metal, mas encoberta por esmalte de branco tão puro quando o mármore do punho. Mikhail guardou a espada na bainha, e a envolveu no veludo preto que estava com ela dentro da caixa, pegando-a para si.
Em seguida, fomos até uma pequena porta, que ficava perto da estante de livros. Meu noivo estendeu para mim uma chave dourada, e eu a usei para abrir tal porta, e, enquanto o novo corredor se revelava, Andolini pegou uma tocha que havia na parede ao lado, pegando as chamas da sala para iluminar o caminho, como feito antes. Seguimos por aquela abertura, fechando a porta ao passarmos.
Não lembro quanto tempo demorou para chegarmos ao final do túnel, mas foi uma caminhada relativamente longa. Estávamos subindo indefinidamente, até que, enfim, avistamos os primeiros raios de um sol vespertino.
Saímos por uma espécie de caverna encoberta por hera, e, ao olharmos ao redor, nos demos conta de que estávamos em uma área isolada, fora da cidade, mas não muito distante da mesma. Andamos até encontrar a estrada principal, onde, por sorte, logo tomamos um táxi – não antes de mostrarmos nossos documentos a um relutante e desconfiado taxista, explicando que estávamos fazendo trilhas e nos perdemos. Ele deve ter aceitado a desculpa, ou pelo menos engolido nossa presença, frente à nota de valor gordo que Andolini gentilmente lhe estendeu, falando algo em italiano.
Fomos deixados rapidamente no hotel, e logo nos encaminhamos para dentro. Apesar do resquício de luz do poente, já passava das vinte e uma horas, de forma que combinamos de nos encontrarmos e decidir o que faríamos a seguir pela manhã. Então, Roberto foi para seu quarto, e eu e Mikhail fomos para o nosso. Fui direto até minha mala, e peguei um estojo com itens de primeiros socorros.

- Mika, pode ir. Tome um bom banho, e lave bem os ferimentos. Eu vou cuidar deles.

Ele apenas balançou a cabeça, em sinal afirmativo, e entrou no banheiro. Enquanto isso dispus, sobre a cama, os materiais de que precisaria: ataduras, gaze, um vidro de antisséptico líquido, algodão, esparadrapo, e uma tesoura. Depois, fui até a pia do lavabo, onde lavei as mãos, e esterilizei-as com um pouco de álcool.
Estava pegando as luvas, quando Mikhail, em seu roupão de banho, veio a mim, os cabelos ainda molhados. Eu sorri, porque ele estava meio sem graça por tudo aquilo, e pedi que sentasse.

- Agora... Mostre-me onde dói...

Meu noivo despiu-se até a cintura, mostrando alguns arranhões nas costas, que, apesar de não serem tão profundos, eram bastante longos. De luvas já postas, peguei um pouco de algodão, e, embebendo-o em antisséptico, passei com cuidado sobre os cortes. Coloquei pedaços de gaze sobre os mesmos, prendendo-os com esparadrapos, e, em pouco tempo, todos os ferimentos já estavam devidamente tratados. Ele vestiu novamente a parte de cima do roupão, e me olhou nos olhos.

- Obrigado. Mas Sophy... Deveria se cuidar também. Por que não vai se lavar? Eu... Acho que posso cuidar dos seus cortes também.
- Bobo... – eu sorri, e beijei seu rosto – Eu posso ficar bem sozinha. Me curo mais rápido que vocês, lembra...? Vou ficar bem. Mas de fato, preciso de um banho. E vou resolver isso agora mesmo.

Levantei dali, e, pegando meu próprio roupão de banho e uma toalha, fui ao banheiro. Despi-me com certo receio. Havia um ferimento profundo em meu ombro, e, apesar de não doer tanto, ainda não havia fechado, e essa velocidade anormalmente baixa de cura me preocupava. Mas ficaria tudo bem. Ele não precisava se preocupar mais ainda... Certamente que não.
Então, liguei a torneira, e entrei no chuveiro, sentindo a água um pouco mais morna que o usual em minha cabeça, em meu ombro, em meus pés. E aí, tudo ficou escuro.

Crônica #12: The Siege

Eu segurava firmemente a adaga de Sophia, com ambas as mãos. Ela parecia pesar muito, ainda mais depois de ter cortado duas daquelas criaturas. Minions, Ghouls, ou simplesmente Zumbis. Eram serem sem vida, apenas com consciência suficiente para buscarem alimento, porém eles devem ter sentido o cheiro de Christian em mim, e começaram a se aproximar. Eu, Roberto e Sophia lutávamos, tentando nos desvencilhar daquele bando de corpos semi-vivos, quando uma passagem no fundo do laboratório se abriu, e ali, parados, estavam três seres bastante sãos, até elegantes. Sophia sibilou, se virando para olhá-los. Falou baixo, para que ouvíssemos, em sua voz um tom Ameaçador:
_São eles, Mika... Eles vieram por mim...
Um daqueles vampiros se aproximou tranquilamente, e disse, a loucura estampada em seu rosto, apenas iluminado pelas chamas na parede:
_Finalmente te encontramos, VonKlaus... E agora, não há como fugir! Você está cercada...
Olhei para a passagem pela qual aqueles três vampiros entraram, e atrás deles, uma pequena multidão de minions se aglomerava, provavelmente buscando vingança por algum dos pecados de Rozenkreuz. Segurei a adaga mais firmemente. Iria defender Sophia até a morte se fosse preciso, mesmo não gostando nada da idéia de morrer.
Os vampiros avançaram para Sophia, as presas a mostra. Roberto se ocupava com alguns minions que já se aproximavam, enquanto eu não sabia exatamente o que fazer. Corri em desespero para um dos atacantes de minha noiva, que apenas me repeliu com um movimento de mão, me atirando longe. Bati em uma prateleira com vidros de formol com pequenos seres dentro. Alguns vidros se espatifaram, fazendo pequenos cortes em minha mão. Uma das pequenas criaturas em conserva começou a dissolver, em contato com meu sangue. Ali eu tive enfim a idéia, e já reconhecia meu propósito naquela luta.
Peguei a adaga de Sophia, que caíra ali perto, e, ao ver Sophia sendo encurralada pelos vampiros, mantendo-se a salvo apenas por uma aura de defesa criada por ela, não hesitei novamente. Cravei a ponta da adaga na palma de minha mão e abri um grande corte. Corri para um dos vampiros, pulando em suas costas e tocando a mão ensangüentada em sua nuca. Ele gritou, quando o veneno de meu sangue o atingiu, e se retorceu, a boca aberta. Respirei fundo, e com o ódio de vê-los tentando matar a minha noiva, empurrei meu pulso direito contra suas presas. O vampiro bebeu meu sangue, e aquilo foi o seu fim. Ele gritou de dor, um grito furioso, como nunca tinha visto. Um urro de um animal atingido. Ele caiu no chão, se retorcendo, e então me virei para os outros dois, que agora me olhavam incrédulos. Meu semblante tinha mudado completamente, meu sangue agora manchava o chão, minhas mãos e meu rosto. Eu ofegava, mas não tirava os olhos dos algozes de minha futura esposa.
Ela, vendo que os inimigos se distraíram, criou pequenas lâminas que emitiam uma luz arroxeada, lançando-a na direção dos inimigos. Um deles conseguiu se desviar, enquanto o outro recebeu-a no pescoço, caindo no chão em seguida. Eu, vendo que meu sangue era uma arma efetiva, joguei a adaga de Sophia, embebida em meu sangue, para que Roberto continuasse sua luta contra as fileiras incessantes de minions, que se aproximavam cada vez mais.
O terceiro vampiro, aparentemente o mais forte deles, sorriu, porém seus olhos ainda traíam a incredulidade daquele pequeno grupo afinal, ser tão resistente.
_Você anda com pessoas estranhas, VonKlaus. Pensa que vai sobreviver, mesmo com esses dois seguranças? Tola, vocês estão em menor número, e apesar do poder desse garoto, não há sangue suficiente para deter essa horda de zumbis... É incrível, vocês vieram exatamente para uma cripta cheia de mortos-vivos, sedentos por sangue. Mas enfim, eu mesmo vou matá-la, e levar sua cabeça em uma bandeja, para o meu senhor.
Sophia então disse para mim, vendo que Roberto já não agüentava mais cortar aquelas criaturas:
_Mika... Vá e ajude o Roberto, enquanto eu mesma cuido desse aqui... Sobreviva, por favor...
Eu assenti, a contragosto. Mas Sophia estava certa, não podíamos nos dar ao luxo de perder o nosso guia, e eu já conhecia as capacidades de minha noiva. Sabia que ela venceria. Ou queria acreditar que seria assim. Me virei e me pus ao lado de Roberto. Ele sorriu, me entregando a adaga de Sophia. Eu recusei, e puxei da pulseira três agulhas. Agora saberia se meu sogro me ajudou ou não.
Eu olhei para Roberto, e este assentiu, como se estivesse pronto para a próxima onda. Passei as pontas das agulhas por meu ferimento e as atirei, sem técnica ou jeito. Elas apenas resvalaram nos minions, mas isso foi suficiente para que gritassem de dor. Vi que ao menos meu sangue era útil, em um momento como aquele. Enquanto isso, às minhas costas, um brilho arroxeado iluminava as paredes e o teto, e eu sabia que Sophia estava se esforçando ao máximo, também.
_Isso é loucura! É como um filme dos anos 70, um pesadelo! Como fomos chegar a tal ponto?_Roberto perguntou, a voz de desespero camuflada pela adrenalina somente experimentada em momentos como esse, entre a vida e a morte.
_Longa história, professor! Melhor explicar depois! Agora... foco!!_respondi, sacando mais três agulhas, mas dessa vez colocando-as entre os dedos. Daríamos um ataque mais longo, (ou mais desesperado), na tentativa de fechar aquela passagem. Gritando uma espécie de grunhido de batalha, corremos e cortamos através daqueles Minions, que murmuravam em uma língua desconhecida, mas que eu, de alguma forma, podia compreender. Eles clamavam por meu sangue, ou pelo sangue de Rozenkreuz, mais provavelmente.
Roberto começou a girar a manivela da porta, enquanto eu lhe dava cobertura. As senbon serviam como garras desajeitadas, que eu usava com certa insegurança. Provavelmente meu sangue fazia a maior parte do trabalho, enquanto perfurava e rasgava a carne daquelas criaturas.
Enfim a porta foi selada, e os minions contidos. Quando me virei para o foco da luz arroxeada, onde Sophia lutava com seu adversário, vi algo que nunca antes pensei que pudesse existir. Era uma Sophia que eu não conhecia.
Completamente selvagem, envolta em uma aura de luz fria, os cabelos negros revoltos, um brilho vermelho e assassino nos olhos. Presas a mostra, estava meio curvada e segurava uma espécie de lâmina, feita com a mesma luz que a envolvia. Seu braço esquerdo pendia, ensangüentado. Seu oponente tinha a aparência ainda mais animalesca e feroz, e segurava uma espada física, a lâmina reluzindo a aura de Sophia.
_Ah Deus, o que ela é?_perguntou Roberto, olhando-a incrédula.
_São vampiros, professor... _respondi, despertando de meu devaneio. Ver Sophia daquele jeito foi um choque, mas de alguma forma, ela tinha algo de atraente, mesmo na forma menos racional. Talvez fosse o poder vampiro, ou talvez fosse apenas o meu amor, conhecendo uma nova faceta de sua amada.
Ao ser despertado, me lembrei do motivo pelo qual tudo aquilo havia saído ao controle. Peguei o livro que havia derrubado, no início do ataque e o abri, enquanto Sophia se digladiava com seu oponente. E ali, no centro do livro, como se esperasse a minha chegada, estava uma chave, intacta, conservada pelo tempo. Guardei a chave no bolso, e pude ver o final da luta. Sophia desarmou seu oponente e atravessou sua mão, agora chamejando com sua energia roxa, pelo estômago de seu rival. Ele, soltando um último gemido de dor, foi se esvaindo até tornar-se pó, junto dos minions e de seus comparsas. Ao fim da luta, Sophia caiu sobre os joelhos, respirando fundo. A aura que a envolvia foi quebrada, e ela, agora no chão, permanecia com a cabeça baixa, fitando o chão.
Aproximei-me dela e a abracei forte. Ela ainda respirava profundamente, tentando voltar ao normal, quando subitamente senti suas presas cravando-se em meu pescoço. Prendi a respiração, contendo a ardência que sentira com a mordida, mas deixei-me levar pela sede de minha amada, e apenas permaneci ali, esperando que ela se satisfizesse.

Crônica #11: Underground

Aproximei-me de Mikhail, para olhar por entre a porta, antes de entrarmos. O caminho parecia levar a algum lugar embaixo da terra, e não havia um só vestígio de luz vindo do interior. Olhei as paredes próximas às portas, e toquei-as. Resina, ou algum tipo de óleo, parecia escorrer sobre uma fenda esculpida na pedra fria.

- Mikhail...

Ele fechou os olhos por um momento, e, quando os abriu, tinha uma expressão resoluta. Virou-se para Andolini, que também tocava as paredes.

- Roberto, tem algo que possa nos dar fogo?
- Bom, não. Mas acho que não há problema se usarmos aquela vela ali. Vamos apenas pegá-la emprestada...

O pesquisador andou até uma das extremidades do altar, que tinha uma vela acesa com uma pequena chama, provavelmente posta ali por algum peregrino cumprindo uma promessa. Pegou-a, e levou até onde eu estava.

- Agora – disse Mikhail – encoste a chama nas fendas da parede. Isso deve resolver.

No instante em que foi feito, a chama aumentou de tamanho, e alastrou-se pela fenda, que percorria toda a parte visível da parede. Eu apenas olhei, curiosa, enquanto o túnel era tingido pela luz amarelada do fogo. Meu noivo se aproximou de mim, e tocou meu ombro.

- Como sabia...?
- Eu não sabia. Mas... Achei que fosse assim.

Roberto, que fora devolver a vela ao lugar, olhou para a entrada, entusiasmado.

- Aproveitei para arrumas o tapete, também. Podemos ir agora.

Entramos os três, e tomamos o cuidado de fechar a porta ao passarmos, de forma que ninguém perceberia a nossa descoberta, achando apenas a cruz fora de seu lugar na parede.
O túnel era amplo o suficiente para andarmos lado e lado, e tinha mais ou menos três metros de altura. Não havia tanta poeira, mas o ambiente era frio, talvez frio demais para ser justificado só pela umidade das pedras nas paredes, no chão e no teto.

- Impressionante... – Andolini falou baixo, enquanto íamos cada vez mais fundo na passagem – Apesar das condições, as pedras estão minimamente gastas, mesmo depois de séculos. Parece que ficou congelado no tempo...

Mesmo depois do que me pareceu uma caminhada de 10 minutos, não havia nada além do túnel, que às vezes dobrava à direita ou esquerda. Nada além de chamas, pedras, sombras, e um silêncio opressor. Depois de uma nova curva, no entanto, pudemos ver, enfim, o destino de nosso caminho. Uma grande porta de mármore, com um desenho de cruz esculpido e cravejado de pedras azuis, iguais as do meu anel. Safiras. Roberto tocou a superfície da gravura, admirado.

- Este é... O mais belo desenho da rosae-crucis que eu já vi...

Mikhail assentiu, tocando as aldravas prateadas e examinando-as. Eu também olhava os detalhes daquela porta impecável, quando reparei algo diferente, no chão. Me abaixei para examinar o que era, e passei os dedos pela mancha escura de algo que escorrera por baixo da porta havia tantos séculos. Naquele momento, eu soube do que se tratava.

- Sangue – falei baixinho, levantando – Sinto algo perverso aí dentro...

Meu noivo segurou firmemente as aldravas de prata.

- Eu vou abrir. Afastem-se.

Eu e Andolini recuamos um pouco. Ele empurrou a porta, que, com um leve estalo, cedeu, abrindo vagarosamente. E lá dentro, vimos o horror.
O lugar parecia uma espécie de laboratório. Um laboratório certamente avançado demais para a época em que fora construído, pelo que mostrava o que restava dele. Mas agora, estava completamente destruído, e a mesma cor escura que escorrera pela porta tingia o chão e manchava as paredes. Ossos e restos do que foram pessoas como nós estavam por toda parte, e, em um canto, uma pilha de restos inteiros vestindo trapos completava a decoração medonha do ambiente. O pesquisador olhou tudo, pálido.

- Mas o que houve aqui...?

Eu estava parada, observando. A sensação de que algo estava errado era perturbadora, e ela foi apenas reforçada, enquanto via Mikhail andar calmamente até uma velha prateleira com livros, do outro lado da sala, e retirar um deles. Corri para ele, e Roberto fez o mesmo.

- Mika... O que está fazendo? Que livro é esse?
- Eu... Não sei, Sophy...

Mesmo ele parecia um pouco chocado com a própria atitude. O livro estava lacrado com uma espécie de fechadura codificada: exigia uma senha para ser aberto.

- Eu tenho um mau pressentimento sobre isso... – falou Andolini, olhando desconfiado para o livro.
- E eu acho que devemos ir embora – peguei os dois pelos braços, puxando – Vai acontecer algo aqui.

Mas era tarde demais, a porta pela qual entramos já estava fechada. Um ruído nos fez virar em direção ao canto onde estava a pilha de corpos. E, em seu lugar, um pequeno grupo andava. Em nossa direção.

- Mínions – Mikhail parou, olhando-os – Nunca pode ser fácil demais.

Eu ainda não conseguia entender, mas ele já esperava por isso. Roberto ficou paralisado, provavelmente pelo choque de ver criaturas ficcionais se movendo na sua frente. Um deles, cujos trapos pareciam mais ricos, apontou para o meu noivo, falando em seguida. Era um idioma que eu desconhecia, e, pelo visto, Andolini mal conseguia distinguir uma ou outra palavra. Mikhail tomou a frente. De alguma forma, parecia entender o que era dito.

- Não... Não fomos nós. Deixem-nos ir embora. Eu não sou ele, e nenhum de nós tem nada a ver com isso.

O mínion mestre apontou para a mão dele, e depois para a minha. Rosnou algo, e eu entendi. Falava sobre nossos anéis.

- Eu não sei.

Os mínions dialogavam entre si, nada mais do que murmúrios. Um instante depois, estavam quietos. O líder falou novamente, resoluto. E eles vieram. O momento a seguir foi rápido.

- Andolini, consegue se defender? – perguntei, pegando, no bolso, a adaga de família que meu pai me dera.
- Sim... Também tenho presentes de família – e retirou dos bolsos uma espécie de punhal italiano, que eu reconheci como sendo um tradicional cinquedea.
- Mika... Use a minha – dei a ele a adaga – Eu posso me cuidar.
- Mas Sophy...
- Sem mais. Vamos.

Finalmente eles nos alcançaram. Eu chutei o primeiro que vi, enquanto Mikhail enfiou a lâmina no pescoço de outro. Roberto também conseguia se livrar deles com alguma facilidade. Senti um puxar a manga de minha blusa, enquanto eu chutava mais outro, mas ele logo foi cortado pela minha adaga, conforme Mikhail ia se acostumando e aprendendo a usá-la melhor. Os zumbis certamente estavam em maior número, e quase sempre um único golpe não os derrubava definitivamente. Com algum desgaste, estávamos ganhando. Parecia mesmo que iríamos vencer.
Foi quando eles surgiram.

Crônica #10: The Sunlit Path

Ficamos em silêncio por um tempo, mas só ouvíamos o sussurro do vento passando pelos vãos das construções locais. Enquanto Sophia tomava banho, eu observava o objeto que meu sogro me dera; uma pulseira de pano, com várias agulhas enfileiradas, por toda a sua extensão.
"Senbon", pensei. Exatamente iguais as armas usadas por ninjas antigamente, para bloquear pontos de chakra, e matar silenciosamente. Sorri, imaginando qual seria a utilidade que Friedrich achou que eu daria àquelas armas. Mesmo assim, coloquei-a no pulso e me deitei, esperando minha noiva.
Sophia não se demorou muito no banho, mas me olhou preocupada, dizendo:
_Sinto o cheiro deles... Estão cada vez mais perto...
_Não se preocupe, Sophy. Vamos tentar dormir, e amanhã pensaremos em uma solução para isso. Tenho certeza que nada vai acontecer esta noite...
Ela aceitou a idéia, e logo estávamos adormecidos, dormindo um sono intranquilo, pontuado por momentos de de extremo alerta, tentando enxergar além da escuridão lá fora. Logo o cansaço me venceu, adormeci e sonhei.

Me encontrava em uma praça com um mosaico no centro. Passei por cima dele, sem me preocupar com seu formato, ou o que representava. Segui a passos firmes, coberto por um capuz e uma longa capa, apesar do Sol de Meio-dia e pleno verão. Seguia diretamente para uma construção em frente a praça. Uma igreja, percebi, quando já adentrava as portas de madeira, e seguia imponente em direção ao altar.
Ao chegar no altar, me virei, e vi uma multidão encapuzada ocupando todos os bancos da igreja. Ergui os braços, triunfante, e o pequeno anel em meu dedo reluziu à luz das velas do altar. Todos ali aplaudiram minha chegada em êxtase, e ri um riso maligno e frio. Finalmente conseguira tudo. Tudo o quê?
Despertei com frio, o suor escorrendo pela minha testa. Sophia não estava mais ao meu lado, e a luz do sol entrava pela janela. Minha noiva saiu do banheiro e me olhou, meio confusa:
_Do que estava rindo, Mika...? Está tudo bem com você?
_Eu.. Ah... Foi apenas um pesadelo! Nada de mais..._Respondi, não querendo revelar a ela os estranhos sonhos que tive.
Ela me abraçou forte, e me ajudou a levantar. Já era de manhã, e era hora de iniciarmos a busca.

Descemos para a área comum do hotel, e tomamos um café da manhã frugal, junto de Roberto. Pensávamos onde poderíamos iniciar a busca. Foi Sophia quem deu a primeira idéia:
_E se o "Sol" escrito no crucifixo não for o Sol normal, mas um Sol simbólico? Senhor Roberto, por acaso existe aqui em Veneza um local que remeta ao Sol?
Roberto coçou o queixo e disse, com certo pedantismo:
_É uma boa idéia, mocinha... Ainda mais por existir a Praça do Sol, no centro da cidade. E, se essa teoria for infundada, pelo menos já estaremos no centro, podendo seguir dali a investigação...
Me levantei, o café já terminado. Falei, animado com a possibilidade de uma primeira pista.
_Perfeito! Vamos então para o centro!
O local não era muito longe do hotel, por isso fomos a pé, aproveitando o sol matinal e as belas construções no caminho. Veneza era realmente linda, apesar de seu cheiro terrível de esgoto.
A Praça do Sol era um local surpreendente e lindo. Vistoso, digno de Rosa-Cruz. Era um enorme círculo, ladeado por construções antigas, porém bem conservadas. No centro da praça, um grande mosaico colorido, ou os restos de um mosaico (boa parte das pedras não existiam mais, ou estavam partidas, tornando o desenho indistinguível). As pedras que sobravam brilhavam sob o sol da manhã, tornando o ambiente muito mais claro do que o normal.
Roberto já se adiantara, e estava no centro da praça, nos observando. COnforme fui me aproximando, senti uma pontada no peito. Já pisara naquelas pedras antes. Na noite passada. Disse para os outros:
_Por aqui!
E segui a passos firmes pela praça, até a porta de uma pequena igreja, na extremidade oposta da praça. Aquele com certeza era o lugar do sonho. O local da ascenção de Rozenkreuz.

Entrei na igreja pela porta principal, que se encontrava entreaberta, provavelmente esperando por algum turista, porém se encontrava vazia. Perfeito para uma investigação. O interior era bem simples, com algumas imagens de santos, bancos de madeira e uma grane cruz de madeira na extremidade oposta á entrada, atrás do altar (a cruz não estava lá durante o meu sonho, ou ao menos não me recordava dela). O que tornava o interior belo era o teto, todo feito de vitrais coloridos, cujas imagens não pude distinguir. Para mim parecia uma grande confusão de vidro colorido.
Sophia e Roberto entraram em seguida na igreja, meio confusos com minha obstinação. Eu, percebendo isso, disse:
_Ah, eu... Apenas pensei que poderia haver uma pista aqui dentro.
_E foi uma ótima escolha, rapaz!_disse Roberto, caminhando pela passarela central da igreja._Essa igreja é quase tão antiga quanto Veneza. Existe dese o Império Romano, e foi um templo dedicado a algum deus antigo.
_Deuses antigos, é?_perguntei, olhando em volta. "Bastante enigmático, como tudo em Rozenkreuz...", pensei, subindo ao altar. Olhei em volta e me virei para a porta, como fizera no sonho da noite passada. Primeiramente apenas vi Sophia, olhando uma das imagens na lateral da igreja. Ao me ver no altar, sorriu e acenou para mim. E então, tudo aconteceu.
Repentinamente me vi aquecido por dezenas de velas acesas ao redor, e aquela multidão amontoada nos bancos de madeira, no ambiente fechado. Então um flash, e todos aqueles encapuzados jaziam no chão, cobertos de sangue. Sangue nas paredes, sangue no teto. Uma alegria repentina, lambi o canto do lábio, manchado de um sangue que não era meu. Subitamente, um vento frio em minhas costas. Desperto, Sophia caminhando na minha direção, uma expressão entre a preocupação e o susto.
Pisquei algumas vezes, antes de recobrar os sentidos por completo. Sorri rapidamente, mas já era tarde. Sophia vinha em minha direção a passos largos, provavelmente se perguntando se eu havia enlouquecido, ou se estava alucinando. Porém, notei algo curioso quando ela passou pela área central da igreja.

_Não se mova, por favor._disse, tentando distinguir o que eram as pequenas ranhuras que agora se espalhavam por todo o seu corpo. Me aproximei, e só então percebi. Ela estava sob o vitral central da igreja. Olhei no relógio: Meio-dia. Chamei por Roberto, e após ver os símbolos espalhados pelo chão e pelo rosto de Sophia, sacou um pequeno caderno, e se pôs a anotar.
Para ajudar a distinguir as figuras, tiramos o tapete que se estendia pelo corredor central. E então, refletida no piso de mármore, lá estava ela. Uma perfeita Rosa-Cruz, refletida através dos vitrais disformes, formada no chão de mármore, com diversos símbolos em sua superfície, e ao redor dela. Um enorme painel, desenhado no chão pelo sol do meio-dia.
Roberto caiu de joelhos, e se pôs a anotar todos aqueles símbolos. Sophia apenas sussurrou:
_Rosae Crucis...
Eu assenti, e segurei sua mão com firmeza. Será que Rozenkreuz tinha deixado aquelas pistas de propósito, ou ele esperava que um descendente fosse a sua procura? Sei que logo teria alguma resposta, ou muitas outras perguntas.
Pouco tempo depois, Roberto se levantou, e sorriu para nós. Disse sério, sem nenhum pedantismo na voz:
_Essa é a maior descoberta que fiz desde que comecei a estudar os Rosa-Cruz!
"Por detrás da cruz verdadeira esconde-se a cruz impura. Abaixo da cruz impura jaz o campo de corpos, lavados pelo sangue divino."
É isso que os símbolos dizem. Curioso...

Tentei encaixar as peças daquele enigma. Tentei pensar no que estava escrito, mas não consegui conceber nada concreto. Dessa vez foi Sophia quem fez o primeiro movimento. Ela simplesmente empurrou a grande cruz sobre o altar para o lado, e nos disse:
_Deveriam ver isso...
E na parede, no último bloco de pedra antes do chão, havia uma pequena Rosa-cruz gravada na pedra.
_A Cruz impura, atrás da cruz verdadeira... é tão simples._disse Roberto, cada vez mais atônito, o enigma dos vitrais ressoando em sua mente.
Sophia então perguntou, a mão encostada na parede:
_Roberto, você disse que aqui era um templo pagão, antigamente... A qual deus exatamente era dedicado?
_Mitra, eu acho... Por que?
_Porque os cultos dos iniciados em Mitra era feito em uma...
_Caverna!_ Exclamou Roberto, e Sophia, com um sorriso triunfante, bateu com os nós dos dedos na parede. Um eco ressoou para dentro do local escondido.
Em seguida eu bati na pedra, e novamente, o som ecoante. Enfim pedi distância aos dois, encostei ambas as mãos na parede, e forcei um pouco. Sem resultado. Sem pensar muito e ávido por algo novo, dei um chute na pedra com a cruz gravada, que simplesmente deslizou para a parte de dentro do local secreto. Ouvimos um "clique" do lado de dentro, e senti a parede se movendo sob minhas mãos, como duas portas de pedra que se encaixavam, formando a parede.
Abri totalmente as pesadas portas, e um vento congelante saiu de dentro da escuridão daquela nova área da igreja, como acontecera em meu sonho. O vento enregelante era como o hálito da própria Morte. Acenei para os dois me seguirem, e pisei. Para dentro da boca da Morte.

Crônica #9: Travellers

Roberto Andolini era, como previra meu pai, a pessoa mais capaz de nos ajudar a encontrar as respostas que procurávamos. Ele ficou hospedado em nossa casa, enquanto fazíamos os preparativos para a nova viagem, de forma que, por 4 dias, houve discussões acaloradas sobre a Rosenkreuz, e especulações sobre o fim que levara seu fundador.
A última pista nos conduzia rumo a Veneza, o que causava euforia no jovem historiador, que, descobri mais tarde, era Doutor em sociedades secretas medievais. "Premiado em Oxford", como fizera menção de dizer, durante um jantar. "Mas o meu maior interesse sempre foi a Rosenkreuz, e fiz dessa busca o trabalho de minha vida", acrescentara, animado.
Vez ou outra pedia a mim ou a Mikhail para ver novamente nossos anéis, falava consigo mesmo sobre como aquelas eram relíquias preciosíssimas e que mal acreditava na sorte que tivera de achá-las. Certo dia até cogitou a possibilidade de doarmos os anéis para pesquisas.

- Não - respondeu Mikhail friamente, antes mesmo que Roberto pudesse lhe fazer diretamente a pergunta, deixando nosso visitante ensaiar sozinho um monólogo sobre a importância do estudo e da preservação de relíquias históricas por profissionais da área.
Havia também o crucifixo que me foi dado por meu noivo, mas, felizmente para nós, após a recusa peremptória do próprio herdeiro, nenhuma outra palestra sobre relíquias foi feita, apesar dos olhares cobiçosos de Andolini para o meu presente. Até o dia da viagem, no entanto, ele pareceu finalmente ter se conformado com a realidade, e passou a se comportar de forma menos compulsiva.
Uma manhã nebulosa iniciava o dia de nossa partida, quase como um mau presságio do que encontraríamos em Veneza, e em todo o caminho dali para frente. Eu havia terminado de arrumar minha bagagem, e estava sentada em minha cama, olhando os raios fracos de luz entrarem pelas janelas. Uma batida suave na porta anunciou a entrada de Mikhail, seguido por um atordoado Sr. Hauss.

- Bom dia, Sophy...
- Viemos pegar suas malas, senhorita. Já está tudo pronto para partirem. Seu pai apenas os espera para o café da manhã.
- Claro... Obrigada.

O homem pegou uma maleta e uma pequena bolsa com bagagem de mão, enquanto Mikhail pegou a mala de viagem, e me deu um beijo no rosto.
- Nos vemos lá embaixo - e sorriu, saindo logo atrás do Sr. Hauss.

Eu suspirei, e me levantei para fechar as janelas do quarto, para o caso de chover. Olhei mais uma vez para o meu quarto, antes de ir.
Na sala, todos estavam reunidos e acertando alguns detalhes. Ficou decidido que iríamos de trem, e o Sr. Hauss nos levaria até a estação, uma vez que meu pai teria uma reunião importante na Associação. A mesa já estava posta, e a Sra. Hauss, que fora fazer compras, havia deixado para mim uma torta de morangos, para levar na viagem. Peguei o embrulho, e guardei-o na bolsa da bagagem de mão. Depois, nos reunimos à mesa.
Comemos silenciosamente, e essa condição só foi quebrada por meu pai, após terminarmos.

- Minha filha...
- Sim, papai?
- Eu gostaria muito de poder levá-los, mas haverá uma reunião urgente no trabalho... De qualquer forma, eu gostei que tenha vindo me visitar. Esta casa é sua, e sempre nos deixará felizes recebê-la de volta.
- Eu também gostei muito de voltar aqui, pai... E sim, eu espero vir novamente, em breve.
- Ótimo... E quanto ao garoto Kreuz... – fez uma pausa, olhou para meu noivo, e sorriu gentilmente – Cuide bem dela. Estou confiando a você o meu maior tesouro.
- Eu não irei desapontá-lo – respondeu Mikhail, sério.
- Tenho certeza que não. E Roberto... Obrigado por ter vindo. Tomem cuidado na viagem, crianças...

Levamos nossas malas para o carro. Meu pai me deu um abraço, e apertou as mãos de nossos dois convidados. E nos olhou, enquanto íamos embora. E eu soube que algo o perturbava.
A estação não estava tão movimentada. Pegaríamos um trem até Zurique, e, de lá, até Veneza. Estávamos saindo do carro e pegando nossa bagagem, quando o Sr. Hauss estendeu um pacote a Mikhail.

- Cumprimentos do senhor Wolff – disse ele ao fazê-lo, com um sorriso discreto.
- Ah... Obrigado.

O jovem pegou o embrulho, e deveria saber tanto quanto eu o que ele continha, pois um ar de leve surpresa perpassou seu rosto.
O trem já estava na plataforma, e sairia em 15 minutos. A viagem até Zurique foi bastante calma, e os cochilos pesados de Roberto nos garantiram tal tranqüilidade. Antes de embarcar no próximo trem, compramos chocolates suíços e pequenas garrafas com suco, para acompanhar a torta de morangos que a Sra. Hauss me dera, em quantidade suficiente para nós três.
O segundo trem, que ia para Veneza, partiu em uma hora. Roberto estava acordado, mas mantinha-se ocupado com uma revista de palavras-cruzadas. Mikhail estava sentado ao meu lado, e olhava pela janela, enquanto eu me ocupava lendo um de seus livros de matemática avançada, perguntando sobre um assunto ou outro. Tudo muito calmo.
Perto de nosso destino, no entanto, eu senti que aquela era uma condição passageira. E eu os senti, andando lado a lado com o nosso trem, escondidos pela floresta às margens da estrada.

- Mikhail... – sussurrei, para não chamar a atenção de nosso colega.
- Eu sei, Sophy... Eu sei.

E me abraçou, suave. Não sei se os vira pela janela, se podia senti-los como eu, ou mesmo se adivinhara meus sentimentos, mas ele de fato sabia da presença deles. Ou talvez aquilo simplesmente fosse... Óbvio demais.
Desembarcamos em Veneza, e logo adquirimos um grande mapa da cidade. Havíamos feito reservas com antecedência em um hotel que Andolini determinara como apropriado, por sua localização. Fomos até lá e deixamos nossas malas em nossos quartos, que eram vizinhos e conectados internamente. Não é necessário dizer que a chave que abria a porta que ligava meu quarto ao de Roberto se perdeu misteriosamente, mas foi algo interessante.
Pelo resto do dia, visitamos pontos turísticos normais, e nos divertimos. No dia seguinte, procuraríamos as primeiras pistas sobre o local indicado nos anéis. Uma dupla caçada estava para começar.

Crônica #8: Destiny and Fate

Sophia me olhou, atônita, enquanto eu sorria, envergonhado.
_Como assim agora?_Perguntou-me ela, ainda sem entender.
Olhei para o par de alianças, delicadas, porém de aparência rústica, gravadas com símbolos por toda sua extensão, e o símbolo do infinito solitário em seu interior. As belas safiras engastadas em sua superfície refletiam o brilho do luar suave que iluminava todo o terraço. Um ambiente propício para o que estava por vir.
Tomei um dos anéis da mão de Sophia cuidadosamente. Abaixei-me sobre um dos joelhos e, olhando em seus olhos, fiz a fatídica pergunta:
_Sophia Von Klaus... Você aceita se casar comigo?
Ela, com a boca seca, ainda a expressão de perplexidade na face, esboçou, com a voz fraca:
_Eu... Aceito...
Eu então deslizei a aliança de minha mãe por seu anelar, e coloquei a aliança de meu pai. Ainda de olhos fixos nos dela, me levantei, abracei-a com força, e então vi lágrimas silenciosas brotando de seus profundos olhos. Ao fixar novamente em meus olhos, ela sorriu radiante, mesmo as lágrimas ainda escorrendo por suas bochechas pálidas.
_Eu nunca imaginei, eu... Mika, eu nem sei como..._Sophia tentava articular.
_Shh... Não precisa dizer mais nada, Sophy... Mais nada..._Respondi, feliz em vê-la assim, tão emotiva e contente. Nunca antes a vira tão emocionalmente alterada. Toquei seu rosto suavemente, secando suas lágrimas, e por fim beijei seus lábios intensamente, selando um novo pacto, uma nova promessa. Sussurrei, conforme me afastava de Sophia:
_Tenho uma boa noite, minha querida. Descanse, afinal, teremos muito o que fazer pela manhã.
Ela me agradeceu silenciosamente, enquanto nos dirigíamos de volta aos quartos, felizes como nunca antes. Sophia me acompanhou pelo corredor,nossas mãos unidas. Uma última troca de olhares, e ela caminhou para seu quarto, visivelmente surpresa e ainda meio atônita. Deitei-me em minha cama no quarto de hóspedes, e o sono veio depressa afinal, já era tarde, e o dia havia sido longo. E então eu sonhei...

No sonho eu segurava no alto a aliança de minha mãe, apreciando suas ranhuras e desenhos, brilhando sob um sol de fim de tarde. Eu ofegava, como se tivesse corrido uma grande distância em pouquíssimo tempo. Mas sentia uma alegria enorme e inexplicável em ter em mãos aquela aliança. Ela parecia morna ao toque, e então percebi que havia algo estranho na mão que segurava a jóia. Sangue, sangue por toda parte, na aliança, naquelas mãos que não eram minhas. Um grito agudo, e então acordei.

E ali, junto a mim, uma adormecida Sophia respirava profundamente. Abracei-a com cuidado para não despertá-la e pensei, enquanto acariciava seus cabelos:
“Boba... E se eu tivesse te acordado...? Mas você é mesmo perfeita, até durante o sono... Meu Amor...Sophy...”
Trouxe então seu corpo inerte para mais junto do meu, e voltei a dormir, agora amparado por Sophia, o meu anjo luminoso. O restante da noite foi tranqüilo.


A manhã seguinte surgiu preguiçosa através das cortinas do quarto de hóspedes. Acordei tranquilamente, nenhum outro pesadelo tendo me atormentado naquela noite. Levantei-me, deixando Sophia ainda adormecida em minha cama. Fui ao banheiro, lavei o rosto, e ao voltar encontrei Sophia já desperta, encostada na cabeceira da cama.
_Bom dia, meine Liebe..._disse ela, a voz rouca de quem acabara de acordar. Sorri para ela e beijei sua testa ao me aproximar. Eu então disse, segurando sua mão:
_Passou bem esta noite?_Ela sorriu, encostando minha mão em seu rosto. Respondeu, fechando os olhos quando acariciei seus cabelos:
_Maravilhosamente bem... A melhor de todas...

Ajudei-a a se levantar. Usava uma camisola cor de rosa, de tecido leve e esvoaçante. Linda como deve ser. Sophia dirigiu-se ao seu quarto, enquanto eu me trocava para o café da manhã. Friedrich já nos esperava, a mesa posta. Sentamo-nos e comemos silenciosamente, até que ele puxou o assunto:

_Estou sabendo que fizeram na noite passada!

Eu e Sophia engolimos em seco e enrubescemos na mesma hora. Evitamos trocar qualquer tipo de olhar, ou fazer qualquer gesto. Ele então prosseguiu:

_Pude ouvir tudo lá do meu quarto, sabe?

Ergui levemente a sobrancelha: “Ouviu...? Mas não tinha nada para se ouvir... Ou será que tinha...?” A mente ainda meio turva pelo sono tentou escanear a noite passada, sem resultados. Friedrich então concluiu seu pensamento:

_Fazia tanto tempo que não ouvia Sophia tocar seu piano... Foi realmente ótimo!

Eu respirei fundo, após quase ter tido um infarte. Sophia passou a mão levemente por sua testa, aliviada, porém inconscientemente deixou sua aliança à mostra por tempo demais. Logo seu pai perguntou:
_Onde conseguiu esse anel, Sophy?
Enrubescemos, mas Sophia conseguiu responder:
_Ah esse é o meu... O nosso... Anel de noivado..._falava sem jeito, apesar de preferir essa forma direta, do que encher-se de meneios e longas explicações. Eu simplesmente senti meu estômago afundar.
Seu pai engasgou, o sangue sumiu de minha face. Apenas Sophia permaneceu impassível, conhecedora que era de nosso anfitrião, que disse, vacilante:
_Quando ele fez o pedido?
_Ontem à noite, após o jantar..._respondeu ela, enquanto eu tentava me esconder atrás de uma torrada, sem querer deixando a aliança gêmea também à mostra, entregando de vez a realidade. Friedrich retomou o tom sério habitual:
_Bem, se é o que minha filha quer, não irei contestar. Meus parabéns garoto. Não imaginei que tivesse tanta fibra dentro desse corpo franzino.
_A verdade é que até mesmo eu me surpreendi. Mas o que me motivou mesmo foi a brincadeira no jantar. Eu já estava planejando, mesmo porque sempre ando com as alianças, desde que conheci Sophia. Só precisava do momento certo..._respondi, com a confiança renovada pela aprovação de meu “algoz”._Só não decidimos a data ainda, porque queremos pesquisar mais sobre essa coisa de Rozenkreuz.
O senhor Friedrich então disse, lembrando-se do motivo inicial de minha visita:
_Por falar nisso, hoje um amigo meu vem para o almoço. É um historiador muito conceituado... Seu nome é Roberto Andolini, um italiano.

Historiador? Interessante... Talvez ele realmente tivesse alguma informação relevante sobre Rozenkreuz. Esperamos pelo horário do almoço ansiosamente. Sophia caminhando pela propriedade de seu pai, enquanto eu fazia a compilação dos nossos resultados das pesquisas. Talvez muito fosse esclarecido naquele almoço. Talvez...
No horário estipulado, a campainha soou. Eu desci as escadas velozmente, enquanto Friedrich recebia o convidado. Olhei animado para o hall, mas quando vi o grande historiador, senti um leve receio. Roberto Andolini aparentava a minha idade, ou alguns anos a mais. Como alguém jovem assim teria tantas informações ou conhecimento sobre uma sociedade antiga?
Era um jovem de cabelos bagunçados, e um jeito muito pedante. Falava animadamente com Friedrich, aparentemente um amigo de longa data. Porém, quando me viu, parou de falar imediatamente.
Aproximou-se de mim rapidamente, estendendo a mão e um sorriso nos lábios:
_Olá, eu sou Roberto Andolini, e você deve ser o senhor Kreuz, com certeza! Realmente, posso ver claramente a semelhança com seu antepassado... Tirando os óculos, é fisicamente igual a Christian Kreuz...
_Rozenkreuz, você quer dizer, não é?_Sophia perguntou, ao entrar no hall. Imediatamente, Roberto respondeu:
_Esse é um erro comum, mocinha. Mas na verdade é apenas Kreuz... A parte do Rozen veio depois, como uma mácula que Christian criou sobre seu brasão, devido ao seu grande número de pecados... Foi então que surgiu Rozenkreuz, ou Rose Croix, ou Rosa Cruz, como preferirem...
Eu e Sophia nos entreolhamos, incrédulos. Estávamos tão certos de que afinal eram duas pessoas diferentes. Mas Roberto acabara de jogar um balde de água fria sobre nós. Sophia disse, tentando defender sua teoria:
_Mas, não podiam ser duas pessoas diferentes?
Roberto sorriu, e disse, ainda meio pedante:
_Não, não, mocinha... Não pode ter sido algo assim, afinal, nada foi provado sobre qualquer relacionamento entre Christian e qualquer outra pessoa... Ele era bastante discreto, apesar de famoso e líder de massas...
Eu estava interessado, mas um pouco irritado com o jeito de Roberto. Esperava que fosse apenas a primeira impressão, porque seu conhecimento seria útil, com certeza.
Friedrich nos chamou para o almoço, e, à mesa, ele voltou a falar, bastante eloqüente e certo de suas palavras.
_A sociedade Rosa-Cruz existe até hoje, porém é claro que não são nada influentes, como eram no tempo de Christian. Ele era um ótimo mediador, com conhecimento e habilidade retórica. Sem contar que sempre fora um homem bem-apessoado. Ele sempre conseguia o que queria, mas, após seu maior pecado, foi jogado na clandestinidade, onde fundou a sociedade Rosa-Cruz, e começou a influenciar a sociedade da época, através dos nobres e cientistas. Até o clero se curvava diante dele. O maior dos manipuladores...
Cocei o queixo, e pensei em falar, porém as palavras saíram da boca de Sophia:
_E quanto a história da imortalidade?
Roberto sorriu, olhando diretamente nos olhos de Sophia. Disse, a voz mais baixa:
_Aah, então ouviu as lendas, mocinha?_pigarreou, e continuou_ Bem, por serem lendas, nunca foram provadas. Na verdade, a maioria dessas lendas criadas em torno da vida de Christian foram espalhadas pelos cristãos, que acreditavam que ele era um herege, maldito... Ainda mais pelo que ele fez. Foi visto como feiticeiro e herege, e com razão...
Desta vez, eu disse, enquanto tentava comer alguma coisa:
_Mas afinal, o que ele fez, para ter que ir para a clandestinidade?
_Boa pergunta, garoto Kreuz... Ele matou a própria esposa..._ E eu um sorrisinho maligno, ao ver a perplexidade em nossos rostos._ Não se sabe o porquê, e nem como... Mas aconteceu... Também não se sabe o nome da mulher... E isso só aumentou o mistério ainda mais! Fascinante, até hoje... E é por isso que estudo a vida dele com tanto afinco...
Após o almoço, mostramos a ele alguns e nossos resultados, e ele achou algumas coisas surpreendentes, como o crucifixo que carrego sempre comigo, e as alianças de noivado.
_O crucifixo é claramente uma Rose-Croix, apesar de algumas das ranhuras estarem meio apagadas, devido ao tempo... O mesmo vale para as alianças, com vários símbolos da sociedade, e as safiras gêmeas, usadas sempre por um casal de membros influentes da sociedade... Como conseguiu isso, Mikhail?_ Perguntou-me Roberto, sentado na sala de estar.
_Eu... É uma herança de meus pais... Tudo isso, foi deixado por eles..._ Respondi, preocupado com o que viria a seguir.
_Incrível! Realmente incrível! Você está intimamente ligado a Christian, rapaz... As ranhuras na cruz simbolizam a chave para a luz mais intensa... E veja o centro dessa cruz...um botão de rosa... O pecado de Christian, o maior símbolo de seu poder..._ Parou subitamente sua arenga sobre aquele objeto, quando virou-o de costas para si. Olhou espantado para aquilo, e então puxou do bolso de seu casaco uma lente de aumento. Passou longos minutos observando a face oposta da cruz, e então virou-a de ponta-cabeça, ainda examinando a face anterior.
_Papel!_ Falou subitamente, e eu entreguei uma folha em branco para ele. Roberto começou a anotar freneticamente, sem parar de olhar para o pequeno crucifixo. Ao fim, apenas virou o papel para mim, e ali dizia:

“Sob o Sol de Veneza, a primeira porta se revelará. Deixe-se guiar, através da cruz e da espada.”

_Sabe o que isso significa, Mikhail?_Perguntou-me Roberto, animado.
_Não...
_Que temos uma viagem para fazer! Rumo à minha querida terra!

Crônica #7: Surprises

Há meses eu não via meu pai. E era bom rever o lugar onde cresci. Minha casa, meu quarto... Tudo estava como sempre foi. Eu sentia saudade disso, mas, principalmente, do jeito taciturno, mas divertido, do homem que me criou. Mas eu não viera com Mikhail simplesmente para matar as saudades de casa. Havia trabalho por fazer. E a expressão no rosto de meu pai entregava: algo realmente sério seria tratado ali.

- Crianças – ele começou, solene – Antes de tudo, preciso dizer que não pude obter muito mais informações que vocês. Parecia que, quanto mais a fundo eu ia, mais obscuro o assunto ficava. Há lacunas enormes, o que me faz concluir que nem mesmo os especialistas da Associação puderam esclarecer os fatos.
- Papai, está dizendo que esse é um caso não resolvido pela Associação?
- Mais do que isso, querida – ele suspirou – É um caso que não pode ser resolvido. Até mesmo para os agentes infiltrados naquela Sociedade, na época...

Senti Mikhail um pouco tenso. Ele estava atento, e parecia afetado. Eu também estava surpresa, afinal, além de não ser um caso resolvido até hoje, ninguém fora capaz de dar uma explicação sobre o que aconteceu com Christian, onde ele foi, ou mesmo os resultados da pesquisa, se é que havia resultado. Mas o pior ainda estava por vir.
Perguntei o óbvio.

- Mas pai, o que aconteceu com os agentes? Por que não descobriram nada?
- É simples, minha filha... Ninguém sabe onde eles estão. Mesmo que tenham descoberto algo, eles nunca voltaram para contar o que era. Estão desaparecidos desde então.
- Desa... parecidos?

Era a primeira vez que eu ouvia Mikhail falar, desde o início da conversa. Apesar da calma, havia em sua voz um certo tom de insegurança. Senti vontade de abraçá-lo, mas decidi que deixaria isso para depois.

- Desaparecidos – sentenciou meu pai, com precisão, os olhos penetrantes nos do nosso convidado. Depois suspirou, desviando o olhar para algum ponto no céu – Foram dados como mortos, embora nunca se tenha achado nenhuma pista sobre o que lhes aconteceu de verdade. A este ponto já devem estar, de fato, mortos. Depois de algum tempo, a Sociedade foi dissolvida. Alguns membros foram pegos e mortos pela Inquisição, enquanto outros, como o próprio fundador, nunca foram encontrados. A Associação, então, deu o caso como concluído, apesar da falta de resolução, e ele foi esquecido. Isto é tudo.

- Entendo... – eu também mirava uma nuvem, pensativa – Quantos dias levou, papai?
- Alguns. Talvez uma semana ou duas. Muita informação espalhada e perdida. Mas foi divertido.
- Obrigada... – eu sussurrei, com um sorriso nos lábios. Ele sorriu de volta, amável.
- Tudo pela minha menina. Mas agora... Que tal comermos? Sra. Hauss?

Meu pai acenou para a entrada da casa, se dirigindo à senhora que trabalhava em nossa casa. Ela e o marido ajudam com as tarefas, e estão conosco desde quando eu era pequena. Ela se aproximou da mesa.

- O almoço está pronto, Sr. Wolff. Posso trazer? Oh, Sophy. Tudo bem, querida? A luz volta a este lugar, sempre que você está aqui.

Ela sorria para mim, visivelmente contente pelo meu breve retorno. Retornei o sorriso.

- Obrigada, Sra. Hauss. Eu estou bem. Creio que a senhora e o Sr. Hauss também estejam bem, não? Eu agradeço por cuidarem de meu pai em minha ausência.
- Nada do que agradecer. Está tudo bem, sim. Trarei a refeição, certo?
- Claro. Obrigada de novo. E chame o Sr. Hauss. Vamos todos almoçar juntos.

Ela balançou a cabeça, em sinal afirmativo, fez uma mesura, e, com um sorriso, foi até a casa. Um minuto depois, ela estava de volta, arrastando um suporte com bandejas, com a ajuda de seu marido.

- Como sabíamos da vinda de Sophy, preparamos quiche de alho poró e tomates secos. O queijo é mussarela de búfala fresquinha.
- Obrigada! – eu agradeci imediatamente, um sorriso largo no rosto. Era meu prato predileto.

Ela pôs a bandeja com a quiche na mesa, sorrindo, e em seguida colocou também as de salada e carnes. Os pratos e talheres foram postos por um relutante Sr. Hauss, que insistia que eles não precisavam de ajuda, pois era o meu dia. Do que exatamente eu não sei. Talvez fosse porque estavam com saudade, mesmo sendo gentis quando eu ainda não havia partido, também. A diferença é que agora não me deixavam ajudar em nada, o que me incomodava um pouco, já que eram quase como avós, para mim.
O almoço foi agradabilíssimo. Eu contei como estava sendo a experiência trabalhando fora, além de todos rirmos bastante com a timidez de Mikhail, diante das perguntas terríveis que meu pai lhe fazia, das quais a mais leve foi “O que você fez com ela no primeiro encontro?”, seguido por um “Recomendo cuidado ao responder, ou cabeças irão rolar pelo gramado...”.
Depois disso, fui apresentar o resto da casa ao nosso convidado, que já havia retomado o branco original de suas bochechas. Ele ficou absolutamente maravilhado com os móveis e o lustre de cristal na sala, tudo de decoração muito refinada. Mostrei também o meu quarto, que possuía uma pequena varanda, atrás de cortinas brancas até o chão, que dava para o gramado à frente da casa, onde tínhamos almoçado.
Em seguida, mostrei o restante do terreno ao redor da casa, o que incluía a macieira, em cuja sombra eu usualmente sentava pra ler. Sentamos um pouco naquela sombra, olhando o sol se por, os raios alaranjados tingindo de vermelho as folhas das árvores, e a mão de toque quente a suave de Mikhail sobre a minha. Eu me sentia em paz.

- Sophy... – ele começou, com uma expressão pensativa – Eu estou gostando muito de estar aqui. Tudo que a cerca é tão perfeito... Mas tem algo me preocupando...
- Sim?
- Como vocês fazem com relação ao senhor e senhora Hauss? Eles não são humanos normais?

Ele realmente não esquecia nenhum detalhe, e isso era algo de que eu gostava muito nele.

- Eles são, de fato, humanos normais. E escolheram por conta própria trabalhar aqui, mesmo sabendo de tudo. A neta deles, uma jovem de mesma idade que eu, e que também perdeu os pais, foi atacada por um level E... Meu pai a salvou, mas parecia tarde demais, ela havia perdido muito sangue. Então, eu me ofereci para dar um pouco do meu, já que isso a ajudaria a se recuperar. Era a única chance. Eles me tratam como a segunda neta deles até hoje. Artie está na Inglaterra, agora. Ela trabalha com farmacêutica. Os avós dela se mudaram de vez para nossa casa quando ela viajou a pedido de uma grande Companhia. Eles são leais, então, está tudo bem.

- Entendo... – disse meu namorado, com um sorriso doce nos lábios.

O tempo sempre passava incrivelmente rápido, quando estávamos juntos. Em pouco tempo, já era noite, e decidimos voltar para casa. Meu pai saíra mais cedo, fora resolver alguns problemas na Associação, e talvez ele já estivesse de volta, assim, jantaríamos juntos. Assim que entramos, minha suspeita se confirmou. Ele estava sentado à mesa, apenas esperando, e sorriu ao nos ver.

- Estive esperando, meu pai – murmurei, suave.
- Eu acabei de chegar. Bom, o que acham de irmos jantar? Os Hauss deixaram um bilhete dizendo que já comeram e foram se deitar, para que não nos preocupemos.
- Claro – respondi.

Mikhail puxou a cadeira para que eu pudesse me sentar, e eu agradeci a gentileza com um beijo em sua bochecha. Em seguida, sentou ao meu lado. Papai sentou de frente para nós. Ele tinha uma expressão séria no rosto.

- Antes de jantarmos... Tenho um assunto de suma importância a ser tratado. Algo muito sério.

Ele olhou diretamente para nossa visita, que tocou minha mão, embaixo da mesa, com uma leve tensão. A gravidade era evidente no rosto intimador daquele que me criou.

- Mikhail Kreuz... – começou, solene – Para quando pretende marcar a data do casamento?


O silêncio tenso que se seguiu foi resultado do rosto chocado do pobre convidado. Eu fiquei inicialmente surpresa, mas depois entendi a brincadeira. Resolvi entrar no jogo também, fingindo esperar por uma resposta positiva. Mikhail apertou a minha mão. Finalmente, conseguiu pronunciar algo, as bochechas começando a corar.

- Ca... Casamento?
- Mas é claro – meu pai falava como se estivesse tratando de algo absolutamente natural. No momento seguinte, fez uma cara de desaprovação – Ou será que não tem boas intenções? Por acaso não ama a minha filha?

Eu o olhei com tristeza, enquanto ele afrouxava o aperto em minha mão.

- Você não me ama, meine lieben...?
- S-sim! Eu a amo... muito...
- Então, por que não quer casar comigo...?
- Eu não vou perdoá-lo se estiver enganando a minha filha... É a única pessoa a quem eu amo, a mais preciosa para mim. Se a fizer sofrer...
- N-não! Eu não quero que a Sophy sofra, nunca! Ela... também é preciosa pra mim...
- Então por que tanta hesitação? Case-se com ela!

Eu sentia que ele estava realmente tenso. Será que estávamos exagerando, pressionando tanto por causa de uma brincadeira?

- Vamos! Preciso saber a data, para começar os preparativos. Isto é, se você vai realmente casar com ela.

O momento a seguir surpreendeu tanto a mim como ao meu pai. Mikhail fechou os olhos, respirou fundo, e depois encarou o hunter, os olhos sombrios e incisivos.

- Muito bem, Sr. Wolff... Qual é a melhor data para você, Sophia? Porque as alianças eu já tenho guardadas, só esperava pelo momento propício! - Bateu com as palmas das mãos na mesa, se levantando, intenso como nunca o vira - E eu exijo a melhor igreja para a cerimônia, tudo o que estiver ao alcance dos mais belos sonhos de Sophia. Quero um coral cantando, e pétalas de rosas vermelhas espalhadas por todo o chão da catedral... Laços de seda também ficam bonitos. Quero uma festa simples, apenas para alguns poucos convidados, mas tudo perfeito, como a minha nobre noiva merece... O que acha disso, Sr. Wolff?

Eu tive de me recostar na cadeira, não muito diferente do meu pai, surpresa demais para esconder. Onde estava, naquele momento, meu tímido e quieto Mikhail, que agora esboçava um sorriso no canto da boca, o olhar ainda fixo em meu pai?
Eu apenas sorri, depois de algum tempo, e disse para esquecermos o casamento por enquanto. O mais imediato era jantar. E assim foi feito, apesar do silêncio estranho em que jantamos.
Depois do jantar, cada um foi para seu quarto, organizar tudo para dormir. Já passava das 22h quando eu pus um bilhete por baixo da porta do quarto de meu convidado.

Era uma linda noite, e a lua cheia brilhava no céu, iluminando tudo do lado de fora. Eu fui ao terraço. Fazia tempo que não tocava meu piano. Comecei a tocar Chiaro di Luna, de Beethoven, enquanto esperava. Em pouco tempo, ele chegou. Vestia roupas brancas e leves que, de alguma forma, combinavam com o ambiente, e eu sorri, me levantando para falar com ele.

- Sophy... Que linda, a música... E você... Está linda, também...
- Obrigada... Se quiser, posso tocar mais, depois. Mas agora... eu quero que me fale algo.
- Sim, querida?
- Aquilo que você falou no jantar... Você estava... falando sério?

Ele sorriu, terno. Se aproximou, e tomou minhas mãos nas suas.

- Eu estava, querida. E isso pode provar o que eu disse...

Ele tirou do bolso, com uma das mãos, uma pequena bolsa de veludo carmim. Desfez o laço que a fechava, e pôs uma de minhas mãos de palma para cima. Virou a bolsa de cabeça para baixo, e, por um segundo, eu não consegui respirar. Não com o que via ali. Eram dois anéis. Duas alianças prateadas, com uma pequena safira azul em cada uma. Brilhando ao luar.

- Estive guardando com cuidado. Eram de meus pais, mas, no dia do acidente, eles não estavam com elas. Por alguma razão, minha avó diz que deixaram para mim. Podem não ser as mais bonitas, mas o valor delas, para mim, é imenso. Decidi que só as usaria quando achasse alguém especial... A pessoa mais importante para mim... E que só as mostraria quando tivesse certeza da minha decisão... Quando fosse o momento certo...

Eu me senti corar levemente. Estava, novamente, surpresa.

- E-elas são... Lindas... Mas... a pessoa certa? E o momento certo...? Quando é que...?

Ele sorriu, e acariciou de leve meu rosto. Tinha uma expressão suave e amável.

- Que tal... Agora?

Crônica #6: A Frightening Ally

Ok, final de semana, hora de arrumar a casa. Acho que vou publicar todos os capítulos já escritos de uma vez, pra só ficar atualizando à medida que os capítulos saem, ok, pessoas? Qualquer coisa, gritem :D





Minhas pesquisas seguiam de vento em popa. Os estudos avançavam de forma incrivelmente fluída, sem empecilhos ou erros nas fontes. Lá estava a história de Rozenkreuz, altamente difundida. Apenas me intrigava o fato de termos tão pouca informação sobre sua morte.
E nesse ponto, minha pesquisa se estagnou. Foi Sophia que deu um salto na minha frente, colocando uma nova hipótese ao mundo de possibilidades atuais. Afinal, desde a última semana, fomos convenientemente remanejados de dormitório, e passamos dias apenas pensando em diferentes caminhos. Foi então que ela disse, uma noite:
_E se fossem duas pessoas diferentes, Mika?
E eu simplesmente parei.

Parecera simples demais pra ser relevante, ou mesmo coerente. Passáramos tantas noites imaginando o que poderia ser, e aquela frase simples e espontânea me fizera parar. Realmente, era uma possibilidade. E se, ao invés de Christian Rozenkreuz, fosse simplesmente Christian & Rozen Kreuz? Afinal, meu sobrenome era simplesmente Kreuz... E nunca citaram, em nenhuma das lendas, uma esposa para Christian. Poderia ser a tal da Rozen, ou talvez fosse Rosen, ou simplesmente Rose... Mais centenas de possibilidades, que precisavam ser verificadas.
No final da semana seguinte, chegou a tão esperada carta do pai de Sophia. Por sorte, estava no quarto com ela quando colocaram a carta por debaixo da porta. Sophia sorriu pra mim, e então leu, em voz alta o bastante para que eu ouvisse:
_”Segue junto desta um caminho para vocês. Boa sorte, e até logo..”
Sophia olhou para dentro do envelope, e tirou duas passagens de avião, segurando-as entre os dedos. Sorriu pra mim, e disse:
_Bem, seria uma boa hora pra conhecer a minha família, não acha?
Não, eu não achava uma boa hora! Já estava completamente envolvido no mistério de Rozenkreuz, sua relação com o meu passado e minha maldição, e teria que conhecer o meu sogro. Obviamente, isso teria uma relação com todo o mistério, mas mesmo assim, seria totalmente assustador! Engoli em seco, e então disse:
_Ah... Está bem... E quando vai ser isso...?
Sophia estendeu uma das passagens pra mim, e eu vi a data marcada para a viagem: 12/07. Perfeito, bem na época das férias na Academia. Dava para ver que o pai de Sophia era extremamente organizado e inteligente. Ele tinha pensado em tudo, e respondeu a carta de sua filha em uma velocidade absurda. Olhei para ela, e ela sorriu, encostando em meu braço. Sussurrou:
_Sinto falta de casa...
Bem, em breve estaríamos lá. Era só questão de tempo...

As semanas foram passando, e as férias se aproximando, finalmente. Comecei a juntar todos os resultados das pesquisas, para levá-las comigo, afinal, sabe-se lá quando voltaríamos (se é que voltaríamos, porque, dependendo das respostas que recebêssemos ali, poderíamos ir em outra viagem, buscando mais e mais informações e respostas). Dias antes do início das férias eu já tinha as malas prontas. Fugiríamos na calada da noite, como fazíamos diversas vezes, afinal, nosso relacionamento ainda não era um fato público, de conhecimento de todos.
Minha última aula fora tranqüila, como a maioria passou a ser. Minha confiança crescera de forma assustadora, desde o início do exercício da profissão. Desejei boas férias para todos os meus alunos, e saí correndo da sala. Subi para o meu quarto, e Sophia já estava lá, falando ao telefone e resolvendo os últimos trâmites da viagem. Aguardamos o pôr-do-sol.

Agora que dividíamos o quarto era muito mais fácil escapar, pois não haviam mais olhares curiosos. Tomamos um vôo noturno no aeroporto, rumo à terra de Sophia, a Alemanha. Ela sorria para mim da poltrona ao lado, enquanto eu tentava planejar o que falar para o pai dela, meu sogro.
A viagem transcorreu com tranqüilidade e rapidez. Pela manhã pisamos em solo alemão, mais precisamente em Berlim. Ali, um carro já nos esperava. Aparentemente era o motorista da família, que ia nos levar até a casa de Sophia. Seguimos por uma estrada, quase saindo da cidade. E sobre um grande descampado despontava uma enorme casa toda em estilo século XIX, uma arquitetura linda e rebuscada, que me deixou deslumbrado. Sophia apontou para aquela casa, e disse:
_É ali, Mika...
Não estava surpreso, afinal, Sophia já me surpreendera tanto, que qualquer coisa que ela dissesse seria plausível e dentro dos termos que ela me apresentou naqueles últimos meses. Sem contar que até mesmo minha história recente era surpreendente demais para ser real.
Entramos por um portão lateral, e o motorista nos deixou na porta principal daquela mansão. Sophia entrou na frente, abrindo a porta com ambas as mãos, enquanto eu levava as malas para dentro, de forma desajeitada. Um homem alto e elegante esperava no hall de entrada, ao pé da escada para o segundo andar. Sophia correu para ele, abraçando-o respeitosamente.
_Meine vater..._disse ela, enquanto, por sobre seu ombro, ele me olhava. Eu, congelado, não conseguia nem soltar as malas que segurava. Mantive o contato com seus olhos, que eram assustadoramente intimidantes.
Sophia trouxe ele pela mão, enquanto sorria para mim. E eu, petrificado, consegui ensaiar um sorriso torto para ela. Ela então disse:
_Mikhail, este é meu pai, Friedrich Wolff. Pai, este é o Mikhail, a pessoa que comentei...
Friedrich não tirava os olhos de mim, quando estendeu a mão para mim. Apertei sua mão timidamente, gaguejando um “prazer em conhecê-lo”. Ele então sorriu, dizendo:
_Ele não parece nem um pouco com uma arma anti-vampiros...
Engoli em seco, e Sophia pareceu meio assustada. Eu olhei para meu sogro de forma resignada, e disse:
_Posso ser mais forte do que pareço, Sr. Friedrich...
Ele então abriu um largo sorriso, dizendo:
_Ótimo, garoto! Se consegue me desafiar de forma tão pouco respeitosa, acho que ainda não é forte o bastante, mas já é bastante forte! Enfim, é um prazer conhecê-lo, tenho certeza que teremos muito o que conversar.
Sophia respirou aliviada, e segurou minha mão, se postando ao meu lado. Friedrich então nos disse:
_Meine totcher, leve seu convidado ao quarto de hóspedes, enquanto eu peço para colocarem a mesa para o almoço lá fora. O dia está lindo, não acha?
Ela sorriu. Parecia realmente satisfeita em estar de volta ao lar e a família. Levou-me pelo lance de escadas, rumo ao segundo andar.
Rumamos para um belo e bem-cuidado jardim, onde uma mesa fora posta. Sentei-me ao lado de Sophia, que ainda segurava em minha mão firmemente. Seu pai sentou-se de frente para nós, e, enquanto aguardávamos a refeição, ele disse, sorrindo:
_Bem, acho que agora é uma boa hora para começarmos a tratar dos..."negócios"