Roberto Andolini era, como previra meu pai, a pessoa mais capaz de nos ajudar a encontrar as respostas que procurávamos. Ele ficou hospedado em nossa casa, enquanto fazíamos os preparativos para a nova viagem, de forma que, por 4 dias, houve discussões acaloradas sobre a Rosenkreuz, e especulações sobre o fim que levara seu fundador.
A última pista nos conduzia rumo a Veneza, o que causava euforia no jovem historiador, que, descobri mais tarde, era Doutor em sociedades secretas medievais. "Premiado em Oxford", como fizera menção de dizer, durante um jantar. "Mas o meu maior interesse sempre foi a Rosenkreuz, e fiz dessa busca o trabalho de minha vida", acrescentara, animado.
Vez ou outra pedia a mim ou a Mikhail para ver novamente nossos anéis, falava consigo mesmo sobre como aquelas eram relíquias preciosíssimas e que mal acreditava na sorte que tivera de achá-las. Certo dia até cogitou a possibilidade de doarmos os anéis para pesquisas.
- Não - respondeu Mikhail friamente, antes mesmo que Roberto pudesse lhe fazer diretamente a pergunta, deixando nosso visitante ensaiar sozinho um monólogo sobre a importância do estudo e da preservação de relíquias históricas por profissionais da área.
Havia também o crucifixo que me foi dado por meu noivo, mas, felizmente para nós, após a recusa peremptória do próprio herdeiro, nenhuma outra palestra sobre relíquias foi feita, apesar dos olhares cobiçosos de Andolini para o meu presente. Até o dia da viagem, no entanto, ele pareceu finalmente ter se conformado com a realidade, e passou a se comportar de forma menos compulsiva.
Uma manhã nebulosa iniciava o dia de nossa partida, quase como um mau presságio do que encontraríamos em Veneza, e em todo o caminho dali para frente. Eu havia terminado de arrumar minha bagagem, e estava sentada em minha cama, olhando os raios fracos de luz entrarem pelas janelas. Uma batida suave na porta anunciou a entrada de Mikhail, seguido por um atordoado Sr. Hauss.
- Bom dia, Sophy...
- Viemos pegar suas malas, senhorita. Já está tudo pronto para partirem. Seu pai apenas os espera para o café da manhã.
- Claro... Obrigada.
O homem pegou uma maleta e uma pequena bolsa com bagagem de mão, enquanto Mikhail pegou a mala de viagem, e me deu um beijo no rosto.
- Nos vemos lá embaixo - e sorriu, saindo logo atrás do Sr. Hauss.
Eu suspirei, e me levantei para fechar as janelas do quarto, para o caso de chover. Olhei mais uma vez para o meu quarto, antes de ir.
Na sala, todos estavam reunidos e acertando alguns detalhes. Ficou decidido que iríamos de trem, e o Sr. Hauss nos levaria até a estação, uma vez que meu pai teria uma reunião importante na Associação. A mesa já estava posta, e a Sra. Hauss, que fora fazer compras, havia deixado para mim uma torta de morangos, para levar na viagem. Peguei o embrulho, e guardei-o na bolsa da bagagem de mão. Depois, nos reunimos à mesa.
Comemos silenciosamente, e essa condição só foi quebrada por meu pai, após terminarmos.
- Minha filha...
- Sim, papai?
- Eu gostaria muito de poder levá-los, mas haverá uma reunião urgente no trabalho... De qualquer forma, eu gostei que tenha vindo me visitar. Esta casa é sua, e sempre nos deixará felizes recebê-la de volta.
- Eu também gostei muito de voltar aqui, pai... E sim, eu espero vir novamente, em breve.
- Ótimo... E quanto ao garoto Kreuz... – fez uma pausa, olhou para meu noivo, e sorriu gentilmente – Cuide bem dela. Estou confiando a você o meu maior tesouro.
- Eu não irei desapontá-lo – respondeu Mikhail, sério.
- Tenho certeza que não. E Roberto... Obrigado por ter vindo. Tomem cuidado na viagem, crianças...
Levamos nossas malas para o carro. Meu pai me deu um abraço, e apertou as mãos de nossos dois convidados. E nos olhou, enquanto íamos embora. E eu soube que algo o perturbava.
A estação não estava tão movimentada. Pegaríamos um trem até Zurique, e, de lá, até Veneza. Estávamos saindo do carro e pegando nossa bagagem, quando o Sr. Hauss estendeu um pacote a Mikhail.
- Cumprimentos do senhor Wolff – disse ele ao fazê-lo, com um sorriso discreto.
- Ah... Obrigado.
O jovem pegou o embrulho, e deveria saber tanto quanto eu o que ele continha, pois um ar de leve surpresa perpassou seu rosto.
O trem já estava na plataforma, e sairia em 15 minutos. A viagem até Zurique foi bastante calma, e os cochilos pesados de Roberto nos garantiram tal tranqüilidade. Antes de embarcar no próximo trem, compramos chocolates suíços e pequenas garrafas com suco, para acompanhar a torta de morangos que a Sra. Hauss me dera, em quantidade suficiente para nós três.
O segundo trem, que ia para Veneza, partiu em uma hora. Roberto estava acordado, mas mantinha-se ocupado com uma revista de palavras-cruzadas. Mikhail estava sentado ao meu lado, e olhava pela janela, enquanto eu me ocupava lendo um de seus livros de matemática avançada, perguntando sobre um assunto ou outro. Tudo muito calmo.
Perto de nosso destino, no entanto, eu senti que aquela era uma condição passageira. E eu os senti, andando lado a lado com o nosso trem, escondidos pela floresta às margens da estrada.
- Mikhail... – sussurrei, para não chamar a atenção de nosso colega.
- Eu sei, Sophy... Eu sei.
E me abraçou, suave. Não sei se os vira pela janela, se podia senti-los como eu, ou mesmo se adivinhara meus sentimentos, mas ele de fato sabia da presença deles. Ou talvez aquilo simplesmente fosse... Óbvio demais.
Desembarcamos em Veneza, e logo adquirimos um grande mapa da cidade. Havíamos feito reservas com antecedência em um hotel que Andolini determinara como apropriado, por sua localização. Fomos até lá e deixamos nossas malas em nossos quartos, que eram vizinhos e conectados internamente. Não é necessário dizer que a chave que abria a porta que ligava meu quarto ao de Roberto se perdeu misteriosamente, mas foi algo interessante.
Pelo resto do dia, visitamos pontos turísticos normais, e nos divertimos. No dia seguinte, procuraríamos as primeiras pistas sobre o local indicado nos anéis. Uma dupla caçada estava para começar.
sábado, 3 de outubro de 2009
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