Ficamos em silêncio por um tempo, mas só ouvíamos o sussurro do vento passando pelos vãos das construções locais. Enquanto Sophia tomava banho, eu observava o objeto que meu sogro me dera; uma pulseira de pano, com várias agulhas enfileiradas, por toda a sua extensão.
"Senbon", pensei. Exatamente iguais as armas usadas por ninjas antigamente, para bloquear pontos de chakra, e matar silenciosamente. Sorri, imaginando qual seria a utilidade que Friedrich achou que eu daria àquelas armas. Mesmo assim, coloquei-a no pulso e me deitei, esperando minha noiva.
Sophia não se demorou muito no banho, mas me olhou preocupada, dizendo:
_Sinto o cheiro deles... Estão cada vez mais perto...
_Não se preocupe, Sophy. Vamos tentar dormir, e amanhã pensaremos em uma solução para isso. Tenho certeza que nada vai acontecer esta noite...
Ela aceitou a idéia, e logo estávamos adormecidos, dormindo um sono intranquilo, pontuado por momentos de de extremo alerta, tentando enxergar além da escuridão lá fora. Logo o cansaço me venceu, adormeci e sonhei.
Me encontrava em uma praça com um mosaico no centro. Passei por cima dele, sem me preocupar com seu formato, ou o que representava. Segui a passos firmes, coberto por um capuz e uma longa capa, apesar do Sol de Meio-dia e pleno verão. Seguia diretamente para uma construção em frente a praça. Uma igreja, percebi, quando já adentrava as portas de madeira, e seguia imponente em direção ao altar.
Ao chegar no altar, me virei, e vi uma multidão encapuzada ocupando todos os bancos da igreja. Ergui os braços, triunfante, e o pequeno anel em meu dedo reluziu à luz das velas do altar. Todos ali aplaudiram minha chegada em êxtase, e ri um riso maligno e frio. Finalmente conseguira tudo. Tudo o quê?
Despertei com frio, o suor escorrendo pela minha testa. Sophia não estava mais ao meu lado, e a luz do sol entrava pela janela. Minha noiva saiu do banheiro e me olhou, meio confusa:
_Do que estava rindo, Mika...? Está tudo bem com você?
_Eu.. Ah... Foi apenas um pesadelo! Nada de mais..._Respondi, não querendo revelar a ela os estranhos sonhos que tive.
Ela me abraçou forte, e me ajudou a levantar. Já era de manhã, e era hora de iniciarmos a busca.
Descemos para a área comum do hotel, e tomamos um café da manhã frugal, junto de Roberto. Pensávamos onde poderíamos iniciar a busca. Foi Sophia quem deu a primeira idéia:
_E se o "Sol" escrito no crucifixo não for o Sol normal, mas um Sol simbólico? Senhor Roberto, por acaso existe aqui em Veneza um local que remeta ao Sol?
Roberto coçou o queixo e disse, com certo pedantismo:
_É uma boa idéia, mocinha... Ainda mais por existir a Praça do Sol, no centro da cidade. E, se essa teoria for infundada, pelo menos já estaremos no centro, podendo seguir dali a investigação...
Me levantei, o café já terminado. Falei, animado com a possibilidade de uma primeira pista.
_Perfeito! Vamos então para o centro!
O local não era muito longe do hotel, por isso fomos a pé, aproveitando o sol matinal e as belas construções no caminho. Veneza era realmente linda, apesar de seu cheiro terrível de esgoto.
A Praça do Sol era um local surpreendente e lindo. Vistoso, digno de Rosa-Cruz. Era um enorme círculo, ladeado por construções antigas, porém bem conservadas. No centro da praça, um grande mosaico colorido, ou os restos de um mosaico (boa parte das pedras não existiam mais, ou estavam partidas, tornando o desenho indistinguível). As pedras que sobravam brilhavam sob o sol da manhã, tornando o ambiente muito mais claro do que o normal.
Roberto já se adiantara, e estava no centro da praça, nos observando. COnforme fui me aproximando, senti uma pontada no peito. Já pisara naquelas pedras antes. Na noite passada. Disse para os outros:
_Por aqui!
E segui a passos firmes pela praça, até a porta de uma pequena igreja, na extremidade oposta da praça. Aquele com certeza era o lugar do sonho. O local da ascenção de Rozenkreuz.
Entrei na igreja pela porta principal, que se encontrava entreaberta, provavelmente esperando por algum turista, porém se encontrava vazia. Perfeito para uma investigação. O interior era bem simples, com algumas imagens de santos, bancos de madeira e uma grane cruz de madeira na extremidade oposta á entrada, atrás do altar (a cruz não estava lá durante o meu sonho, ou ao menos não me recordava dela). O que tornava o interior belo era o teto, todo feito de vitrais coloridos, cujas imagens não pude distinguir. Para mim parecia uma grande confusão de vidro colorido.
Sophia e Roberto entraram em seguida na igreja, meio confusos com minha obstinação. Eu, percebendo isso, disse:
_Ah, eu... Apenas pensei que poderia haver uma pista aqui dentro.
_E foi uma ótima escolha, rapaz!_disse Roberto, caminhando pela passarela central da igreja._Essa igreja é quase tão antiga quanto Veneza. Existe dese o Império Romano, e foi um templo dedicado a algum deus antigo.
_Deuses antigos, é?_perguntei, olhando em volta. "Bastante enigmático, como tudo em Rozenkreuz...", pensei, subindo ao altar. Olhei em volta e me virei para a porta, como fizera no sonho da noite passada. Primeiramente apenas vi Sophia, olhando uma das imagens na lateral da igreja. Ao me ver no altar, sorriu e acenou para mim. E então, tudo aconteceu.
Repentinamente me vi aquecido por dezenas de velas acesas ao redor, e aquela multidão amontoada nos bancos de madeira, no ambiente fechado. Então um flash, e todos aqueles encapuzados jaziam no chão, cobertos de sangue. Sangue nas paredes, sangue no teto. Uma alegria repentina, lambi o canto do lábio, manchado de um sangue que não era meu. Subitamente, um vento frio em minhas costas. Desperto, Sophia caminhando na minha direção, uma expressão entre a preocupação e o susto.
Pisquei algumas vezes, antes de recobrar os sentidos por completo. Sorri rapidamente, mas já era tarde. Sophia vinha em minha direção a passos largos, provavelmente se perguntando se eu havia enlouquecido, ou se estava alucinando. Porém, notei algo curioso quando ela passou pela área central da igreja.
_Não se mova, por favor._disse, tentando distinguir o que eram as pequenas ranhuras que agora se espalhavam por todo o seu corpo. Me aproximei, e só então percebi. Ela estava sob o vitral central da igreja. Olhei no relógio: Meio-dia. Chamei por Roberto, e após ver os símbolos espalhados pelo chão e pelo rosto de Sophia, sacou um pequeno caderno, e se pôs a anotar.
Para ajudar a distinguir as figuras, tiramos o tapete que se estendia pelo corredor central. E então, refletida no piso de mármore, lá estava ela. Uma perfeita Rosa-Cruz, refletida através dos vitrais disformes, formada no chão de mármore, com diversos símbolos em sua superfície, e ao redor dela. Um enorme painel, desenhado no chão pelo sol do meio-dia.
Roberto caiu de joelhos, e se pôs a anotar todos aqueles símbolos. Sophia apenas sussurrou:
_Rosae Crucis...
Eu assenti, e segurei sua mão com firmeza. Será que Rozenkreuz tinha deixado aquelas pistas de propósito, ou ele esperava que um descendente fosse a sua procura? Sei que logo teria alguma resposta, ou muitas outras perguntas.
Pouco tempo depois, Roberto se levantou, e sorriu para nós. Disse sério, sem nenhum pedantismo na voz:
_Essa é a maior descoberta que fiz desde que comecei a estudar os Rosa-Cruz!
"Por detrás da cruz verdadeira esconde-se a cruz impura. Abaixo da cruz impura jaz o campo de corpos, lavados pelo sangue divino."
É isso que os símbolos dizem. Curioso...
Tentei encaixar as peças daquele enigma. Tentei pensar no que estava escrito, mas não consegui conceber nada concreto. Dessa vez foi Sophia quem fez o primeiro movimento. Ela simplesmente empurrou a grande cruz sobre o altar para o lado, e nos disse:
_Deveriam ver isso...
E na parede, no último bloco de pedra antes do chão, havia uma pequena Rosa-cruz gravada na pedra.
_A Cruz impura, atrás da cruz verdadeira... é tão simples._disse Roberto, cada vez mais atônito, o enigma dos vitrais ressoando em sua mente.
Sophia então perguntou, a mão encostada na parede:
_Roberto, você disse que aqui era um templo pagão, antigamente... A qual deus exatamente era dedicado?
_Mitra, eu acho... Por que?
_Porque os cultos dos iniciados em Mitra era feito em uma...
_Caverna!_ Exclamou Roberto, e Sophia, com um sorriso triunfante, bateu com os nós dos dedos na parede. Um eco ressoou para dentro do local escondido.
Em seguida eu bati na pedra, e novamente, o som ecoante. Enfim pedi distância aos dois, encostei ambas as mãos na parede, e forcei um pouco. Sem resultado. Sem pensar muito e ávido por algo novo, dei um chute na pedra com a cruz gravada, que simplesmente deslizou para a parte de dentro do local secreto. Ouvimos um "clique" do lado de dentro, e senti a parede se movendo sob minhas mãos, como duas portas de pedra que se encaixavam, formando a parede.
Abri totalmente as pesadas portas, e um vento congelante saiu de dentro da escuridão daquela nova área da igreja, como acontecera em meu sonho. O vento enregelante era como o hálito da própria Morte. Acenei para os dois me seguirem, e pisei. Para dentro da boca da Morte.
sábado, 3 de outubro de 2009
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