sábado, 3 de outubro de 2009

Crônica #11: Underground

Aproximei-me de Mikhail, para olhar por entre a porta, antes de entrarmos. O caminho parecia levar a algum lugar embaixo da terra, e não havia um só vestígio de luz vindo do interior. Olhei as paredes próximas às portas, e toquei-as. Resina, ou algum tipo de óleo, parecia escorrer sobre uma fenda esculpida na pedra fria.

- Mikhail...

Ele fechou os olhos por um momento, e, quando os abriu, tinha uma expressão resoluta. Virou-se para Andolini, que também tocava as paredes.

- Roberto, tem algo que possa nos dar fogo?
- Bom, não. Mas acho que não há problema se usarmos aquela vela ali. Vamos apenas pegá-la emprestada...

O pesquisador andou até uma das extremidades do altar, que tinha uma vela acesa com uma pequena chama, provavelmente posta ali por algum peregrino cumprindo uma promessa. Pegou-a, e levou até onde eu estava.

- Agora – disse Mikhail – encoste a chama nas fendas da parede. Isso deve resolver.

No instante em que foi feito, a chama aumentou de tamanho, e alastrou-se pela fenda, que percorria toda a parte visível da parede. Eu apenas olhei, curiosa, enquanto o túnel era tingido pela luz amarelada do fogo. Meu noivo se aproximou de mim, e tocou meu ombro.

- Como sabia...?
- Eu não sabia. Mas... Achei que fosse assim.

Roberto, que fora devolver a vela ao lugar, olhou para a entrada, entusiasmado.

- Aproveitei para arrumas o tapete, também. Podemos ir agora.

Entramos os três, e tomamos o cuidado de fechar a porta ao passarmos, de forma que ninguém perceberia a nossa descoberta, achando apenas a cruz fora de seu lugar na parede.
O túnel era amplo o suficiente para andarmos lado e lado, e tinha mais ou menos três metros de altura. Não havia tanta poeira, mas o ambiente era frio, talvez frio demais para ser justificado só pela umidade das pedras nas paredes, no chão e no teto.

- Impressionante... – Andolini falou baixo, enquanto íamos cada vez mais fundo na passagem – Apesar das condições, as pedras estão minimamente gastas, mesmo depois de séculos. Parece que ficou congelado no tempo...

Mesmo depois do que me pareceu uma caminhada de 10 minutos, não havia nada além do túnel, que às vezes dobrava à direita ou esquerda. Nada além de chamas, pedras, sombras, e um silêncio opressor. Depois de uma nova curva, no entanto, pudemos ver, enfim, o destino de nosso caminho. Uma grande porta de mármore, com um desenho de cruz esculpido e cravejado de pedras azuis, iguais as do meu anel. Safiras. Roberto tocou a superfície da gravura, admirado.

- Este é... O mais belo desenho da rosae-crucis que eu já vi...

Mikhail assentiu, tocando as aldravas prateadas e examinando-as. Eu também olhava os detalhes daquela porta impecável, quando reparei algo diferente, no chão. Me abaixei para examinar o que era, e passei os dedos pela mancha escura de algo que escorrera por baixo da porta havia tantos séculos. Naquele momento, eu soube do que se tratava.

- Sangue – falei baixinho, levantando – Sinto algo perverso aí dentro...

Meu noivo segurou firmemente as aldravas de prata.

- Eu vou abrir. Afastem-se.

Eu e Andolini recuamos um pouco. Ele empurrou a porta, que, com um leve estalo, cedeu, abrindo vagarosamente. E lá dentro, vimos o horror.
O lugar parecia uma espécie de laboratório. Um laboratório certamente avançado demais para a época em que fora construído, pelo que mostrava o que restava dele. Mas agora, estava completamente destruído, e a mesma cor escura que escorrera pela porta tingia o chão e manchava as paredes. Ossos e restos do que foram pessoas como nós estavam por toda parte, e, em um canto, uma pilha de restos inteiros vestindo trapos completava a decoração medonha do ambiente. O pesquisador olhou tudo, pálido.

- Mas o que houve aqui...?

Eu estava parada, observando. A sensação de que algo estava errado era perturbadora, e ela foi apenas reforçada, enquanto via Mikhail andar calmamente até uma velha prateleira com livros, do outro lado da sala, e retirar um deles. Corri para ele, e Roberto fez o mesmo.

- Mika... O que está fazendo? Que livro é esse?
- Eu... Não sei, Sophy...

Mesmo ele parecia um pouco chocado com a própria atitude. O livro estava lacrado com uma espécie de fechadura codificada: exigia uma senha para ser aberto.

- Eu tenho um mau pressentimento sobre isso... – falou Andolini, olhando desconfiado para o livro.
- E eu acho que devemos ir embora – peguei os dois pelos braços, puxando – Vai acontecer algo aqui.

Mas era tarde demais, a porta pela qual entramos já estava fechada. Um ruído nos fez virar em direção ao canto onde estava a pilha de corpos. E, em seu lugar, um pequeno grupo andava. Em nossa direção.

- Mínions – Mikhail parou, olhando-os – Nunca pode ser fácil demais.

Eu ainda não conseguia entender, mas ele já esperava por isso. Roberto ficou paralisado, provavelmente pelo choque de ver criaturas ficcionais se movendo na sua frente. Um deles, cujos trapos pareciam mais ricos, apontou para o meu noivo, falando em seguida. Era um idioma que eu desconhecia, e, pelo visto, Andolini mal conseguia distinguir uma ou outra palavra. Mikhail tomou a frente. De alguma forma, parecia entender o que era dito.

- Não... Não fomos nós. Deixem-nos ir embora. Eu não sou ele, e nenhum de nós tem nada a ver com isso.

O mínion mestre apontou para a mão dele, e depois para a minha. Rosnou algo, e eu entendi. Falava sobre nossos anéis.

- Eu não sei.

Os mínions dialogavam entre si, nada mais do que murmúrios. Um instante depois, estavam quietos. O líder falou novamente, resoluto. E eles vieram. O momento a seguir foi rápido.

- Andolini, consegue se defender? – perguntei, pegando, no bolso, a adaga de família que meu pai me dera.
- Sim... Também tenho presentes de família – e retirou dos bolsos uma espécie de punhal italiano, que eu reconheci como sendo um tradicional cinquedea.
- Mika... Use a minha – dei a ele a adaga – Eu posso me cuidar.
- Mas Sophy...
- Sem mais. Vamos.

Finalmente eles nos alcançaram. Eu chutei o primeiro que vi, enquanto Mikhail enfiou a lâmina no pescoço de outro. Roberto também conseguia se livrar deles com alguma facilidade. Senti um puxar a manga de minha blusa, enquanto eu chutava mais outro, mas ele logo foi cortado pela minha adaga, conforme Mikhail ia se acostumando e aprendendo a usá-la melhor. Os zumbis certamente estavam em maior número, e quase sempre um único golpe não os derrubava definitivamente. Com algum desgaste, estávamos ganhando. Parecia mesmo que iríamos vencer.
Foi quando eles surgiram.

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