Sophia me olhou, atônita, enquanto eu sorria, envergonhado.
_Como assim agora?_Perguntou-me ela, ainda sem entender.
Olhei para o par de alianças, delicadas, porém de aparência rústica, gravadas com símbolos por toda sua extensão, e o símbolo do infinito solitário em seu interior. As belas safiras engastadas em sua superfície refletiam o brilho do luar suave que iluminava todo o terraço. Um ambiente propício para o que estava por vir.
Tomei um dos anéis da mão de Sophia cuidadosamente. Abaixei-me sobre um dos joelhos e, olhando em seus olhos, fiz a fatídica pergunta:
_Sophia Von Klaus... Você aceita se casar comigo?
Ela, com a boca seca, ainda a expressão de perplexidade na face, esboçou, com a voz fraca:
_Eu... Aceito...
Eu então deslizei a aliança de minha mãe por seu anelar, e coloquei a aliança de meu pai. Ainda de olhos fixos nos dela, me levantei, abracei-a com força, e então vi lágrimas silenciosas brotando de seus profundos olhos. Ao fixar novamente em meus olhos, ela sorriu radiante, mesmo as lágrimas ainda escorrendo por suas bochechas pálidas.
_Eu nunca imaginei, eu... Mika, eu nem sei como..._Sophia tentava articular.
_Shh... Não precisa dizer mais nada, Sophy... Mais nada..._Respondi, feliz em vê-la assim, tão emotiva e contente. Nunca antes a vira tão emocionalmente alterada. Toquei seu rosto suavemente, secando suas lágrimas, e por fim beijei seus lábios intensamente, selando um novo pacto, uma nova promessa. Sussurrei, conforme me afastava de Sophia:
_Tenho uma boa noite, minha querida. Descanse, afinal, teremos muito o que fazer pela manhã.
Ela me agradeceu silenciosamente, enquanto nos dirigíamos de volta aos quartos, felizes como nunca antes. Sophia me acompanhou pelo corredor,nossas mãos unidas. Uma última troca de olhares, e ela caminhou para seu quarto, visivelmente surpresa e ainda meio atônita. Deitei-me em minha cama no quarto de hóspedes, e o sono veio depressa afinal, já era tarde, e o dia havia sido longo. E então eu sonhei...
No sonho eu segurava no alto a aliança de minha mãe, apreciando suas ranhuras e desenhos, brilhando sob um sol de fim de tarde. Eu ofegava, como se tivesse corrido uma grande distância em pouquíssimo tempo. Mas sentia uma alegria enorme e inexplicável em ter em mãos aquela aliança. Ela parecia morna ao toque, e então percebi que havia algo estranho na mão que segurava a jóia. Sangue, sangue por toda parte, na aliança, naquelas mãos que não eram minhas. Um grito agudo, e então acordei.
E ali, junto a mim, uma adormecida Sophia respirava profundamente. Abracei-a com cuidado para não despertá-la e pensei, enquanto acariciava seus cabelos:
“Boba... E se eu tivesse te acordado...? Mas você é mesmo perfeita, até durante o sono... Meu Amor...Sophy...”
Trouxe então seu corpo inerte para mais junto do meu, e voltei a dormir, agora amparado por Sophia, o meu anjo luminoso. O restante da noite foi tranqüilo.
A manhã seguinte surgiu preguiçosa através das cortinas do quarto de hóspedes. Acordei tranquilamente, nenhum outro pesadelo tendo me atormentado naquela noite. Levantei-me, deixando Sophia ainda adormecida em minha cama. Fui ao banheiro, lavei o rosto, e ao voltar encontrei Sophia já desperta, encostada na cabeceira da cama.
_Bom dia, meine Liebe..._disse ela, a voz rouca de quem acabara de acordar. Sorri para ela e beijei sua testa ao me aproximar. Eu então disse, segurando sua mão:
_Passou bem esta noite?_Ela sorriu, encostando minha mão em seu rosto. Respondeu, fechando os olhos quando acariciei seus cabelos:
_Maravilhosamente bem... A melhor de todas...
Ajudei-a a se levantar. Usava uma camisola cor de rosa, de tecido leve e esvoaçante. Linda como deve ser. Sophia dirigiu-se ao seu quarto, enquanto eu me trocava para o café da manhã. Friedrich já nos esperava, a mesa posta. Sentamo-nos e comemos silenciosamente, até que ele puxou o assunto:
_Estou sabendo que fizeram na noite passada!
Eu e Sophia engolimos em seco e enrubescemos na mesma hora. Evitamos trocar qualquer tipo de olhar, ou fazer qualquer gesto. Ele então prosseguiu:
_Pude ouvir tudo lá do meu quarto, sabe?
Ergui levemente a sobrancelha: “Ouviu...? Mas não tinha nada para se ouvir... Ou será que tinha...?” A mente ainda meio turva pelo sono tentou escanear a noite passada, sem resultados. Friedrich então concluiu seu pensamento:
_Fazia tanto tempo que não ouvia Sophia tocar seu piano... Foi realmente ótimo!
Eu respirei fundo, após quase ter tido um infarte. Sophia passou a mão levemente por sua testa, aliviada, porém inconscientemente deixou sua aliança à mostra por tempo demais. Logo seu pai perguntou:
_Onde conseguiu esse anel, Sophy?
Enrubescemos, mas Sophia conseguiu responder:
_Ah esse é o meu... O nosso... Anel de noivado..._falava sem jeito, apesar de preferir essa forma direta, do que encher-se de meneios e longas explicações. Eu simplesmente senti meu estômago afundar.
Seu pai engasgou, o sangue sumiu de minha face. Apenas Sophia permaneceu impassível, conhecedora que era de nosso anfitrião, que disse, vacilante:
_Quando ele fez o pedido?
_Ontem à noite, após o jantar..._respondeu ela, enquanto eu tentava me esconder atrás de uma torrada, sem querer deixando a aliança gêmea também à mostra, entregando de vez a realidade. Friedrich retomou o tom sério habitual:
_Bem, se é o que minha filha quer, não irei contestar. Meus parabéns garoto. Não imaginei que tivesse tanta fibra dentro desse corpo franzino.
_A verdade é que até mesmo eu me surpreendi. Mas o que me motivou mesmo foi a brincadeira no jantar. Eu já estava planejando, mesmo porque sempre ando com as alianças, desde que conheci Sophia. Só precisava do momento certo..._respondi, com a confiança renovada pela aprovação de meu “algoz”._Só não decidimos a data ainda, porque queremos pesquisar mais sobre essa coisa de Rozenkreuz.
O senhor Friedrich então disse, lembrando-se do motivo inicial de minha visita:
_Por falar nisso, hoje um amigo meu vem para o almoço. É um historiador muito conceituado... Seu nome é Roberto Andolini, um italiano.
Historiador? Interessante... Talvez ele realmente tivesse alguma informação relevante sobre Rozenkreuz. Esperamos pelo horário do almoço ansiosamente. Sophia caminhando pela propriedade de seu pai, enquanto eu fazia a compilação dos nossos resultados das pesquisas. Talvez muito fosse esclarecido naquele almoço. Talvez...
No horário estipulado, a campainha soou. Eu desci as escadas velozmente, enquanto Friedrich recebia o convidado. Olhei animado para o hall, mas quando vi o grande historiador, senti um leve receio. Roberto Andolini aparentava a minha idade, ou alguns anos a mais. Como alguém jovem assim teria tantas informações ou conhecimento sobre uma sociedade antiga?
Era um jovem de cabelos bagunçados, e um jeito muito pedante. Falava animadamente com Friedrich, aparentemente um amigo de longa data. Porém, quando me viu, parou de falar imediatamente.
Aproximou-se de mim rapidamente, estendendo a mão e um sorriso nos lábios:
_Olá, eu sou Roberto Andolini, e você deve ser o senhor Kreuz, com certeza! Realmente, posso ver claramente a semelhança com seu antepassado... Tirando os óculos, é fisicamente igual a Christian Kreuz...
_Rozenkreuz, você quer dizer, não é?_Sophia perguntou, ao entrar no hall. Imediatamente, Roberto respondeu:
_Esse é um erro comum, mocinha. Mas na verdade é apenas Kreuz... A parte do Rozen veio depois, como uma mácula que Christian criou sobre seu brasão, devido ao seu grande número de pecados... Foi então que surgiu Rozenkreuz, ou Rose Croix, ou Rosa Cruz, como preferirem...
Eu e Sophia nos entreolhamos, incrédulos. Estávamos tão certos de que afinal eram duas pessoas diferentes. Mas Roberto acabara de jogar um balde de água fria sobre nós. Sophia disse, tentando defender sua teoria:
_Mas, não podiam ser duas pessoas diferentes?
Roberto sorriu, e disse, ainda meio pedante:
_Não, não, mocinha... Não pode ter sido algo assim, afinal, nada foi provado sobre qualquer relacionamento entre Christian e qualquer outra pessoa... Ele era bastante discreto, apesar de famoso e líder de massas...
Eu estava interessado, mas um pouco irritado com o jeito de Roberto. Esperava que fosse apenas a primeira impressão, porque seu conhecimento seria útil, com certeza.
Friedrich nos chamou para o almoço, e, à mesa, ele voltou a falar, bastante eloqüente e certo de suas palavras.
_A sociedade Rosa-Cruz existe até hoje, porém é claro que não são nada influentes, como eram no tempo de Christian. Ele era um ótimo mediador, com conhecimento e habilidade retórica. Sem contar que sempre fora um homem bem-apessoado. Ele sempre conseguia o que queria, mas, após seu maior pecado, foi jogado na clandestinidade, onde fundou a sociedade Rosa-Cruz, e começou a influenciar a sociedade da época, através dos nobres e cientistas. Até o clero se curvava diante dele. O maior dos manipuladores...
Cocei o queixo, e pensei em falar, porém as palavras saíram da boca de Sophia:
_E quanto a história da imortalidade?
Roberto sorriu, olhando diretamente nos olhos de Sophia. Disse, a voz mais baixa:
_Aah, então ouviu as lendas, mocinha?_pigarreou, e continuou_ Bem, por serem lendas, nunca foram provadas. Na verdade, a maioria dessas lendas criadas em torno da vida de Christian foram espalhadas pelos cristãos, que acreditavam que ele era um herege, maldito... Ainda mais pelo que ele fez. Foi visto como feiticeiro e herege, e com razão...
Desta vez, eu disse, enquanto tentava comer alguma coisa:
_Mas afinal, o que ele fez, para ter que ir para a clandestinidade?
_Boa pergunta, garoto Kreuz... Ele matou a própria esposa..._ E eu um sorrisinho maligno, ao ver a perplexidade em nossos rostos._ Não se sabe o porquê, e nem como... Mas aconteceu... Também não se sabe o nome da mulher... E isso só aumentou o mistério ainda mais! Fascinante, até hoje... E é por isso que estudo a vida dele com tanto afinco...
Após o almoço, mostramos a ele alguns e nossos resultados, e ele achou algumas coisas surpreendentes, como o crucifixo que carrego sempre comigo, e as alianças de noivado.
_O crucifixo é claramente uma Rose-Croix, apesar de algumas das ranhuras estarem meio apagadas, devido ao tempo... O mesmo vale para as alianças, com vários símbolos da sociedade, e as safiras gêmeas, usadas sempre por um casal de membros influentes da sociedade... Como conseguiu isso, Mikhail?_ Perguntou-me Roberto, sentado na sala de estar.
_Eu... É uma herança de meus pais... Tudo isso, foi deixado por eles..._ Respondi, preocupado com o que viria a seguir.
_Incrível! Realmente incrível! Você está intimamente ligado a Christian, rapaz... As ranhuras na cruz simbolizam a chave para a luz mais intensa... E veja o centro dessa cruz...um botão de rosa... O pecado de Christian, o maior símbolo de seu poder..._ Parou subitamente sua arenga sobre aquele objeto, quando virou-o de costas para si. Olhou espantado para aquilo, e então puxou do bolso de seu casaco uma lente de aumento. Passou longos minutos observando a face oposta da cruz, e então virou-a de ponta-cabeça, ainda examinando a face anterior.
_Papel!_ Falou subitamente, e eu entreguei uma folha em branco para ele. Roberto começou a anotar freneticamente, sem parar de olhar para o pequeno crucifixo. Ao fim, apenas virou o papel para mim, e ali dizia:
“Sob o Sol de Veneza, a primeira porta se revelará. Deixe-se guiar, através da cruz e da espada.”
_Sabe o que isso significa, Mikhail?_Perguntou-me Roberto, animado.
_Não...
_Que temos uma viagem para fazer! Rumo à minha querida terra!
sábado, 3 de outubro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário