sábado, 3 de outubro de 2009

Crônica #7: Surprises

Há meses eu não via meu pai. E era bom rever o lugar onde cresci. Minha casa, meu quarto... Tudo estava como sempre foi. Eu sentia saudade disso, mas, principalmente, do jeito taciturno, mas divertido, do homem que me criou. Mas eu não viera com Mikhail simplesmente para matar as saudades de casa. Havia trabalho por fazer. E a expressão no rosto de meu pai entregava: algo realmente sério seria tratado ali.

- Crianças – ele começou, solene – Antes de tudo, preciso dizer que não pude obter muito mais informações que vocês. Parecia que, quanto mais a fundo eu ia, mais obscuro o assunto ficava. Há lacunas enormes, o que me faz concluir que nem mesmo os especialistas da Associação puderam esclarecer os fatos.
- Papai, está dizendo que esse é um caso não resolvido pela Associação?
- Mais do que isso, querida – ele suspirou – É um caso que não pode ser resolvido. Até mesmo para os agentes infiltrados naquela Sociedade, na época...

Senti Mikhail um pouco tenso. Ele estava atento, e parecia afetado. Eu também estava surpresa, afinal, além de não ser um caso resolvido até hoje, ninguém fora capaz de dar uma explicação sobre o que aconteceu com Christian, onde ele foi, ou mesmo os resultados da pesquisa, se é que havia resultado. Mas o pior ainda estava por vir.
Perguntei o óbvio.

- Mas pai, o que aconteceu com os agentes? Por que não descobriram nada?
- É simples, minha filha... Ninguém sabe onde eles estão. Mesmo que tenham descoberto algo, eles nunca voltaram para contar o que era. Estão desaparecidos desde então.
- Desa... parecidos?

Era a primeira vez que eu ouvia Mikhail falar, desde o início da conversa. Apesar da calma, havia em sua voz um certo tom de insegurança. Senti vontade de abraçá-lo, mas decidi que deixaria isso para depois.

- Desaparecidos – sentenciou meu pai, com precisão, os olhos penetrantes nos do nosso convidado. Depois suspirou, desviando o olhar para algum ponto no céu – Foram dados como mortos, embora nunca se tenha achado nenhuma pista sobre o que lhes aconteceu de verdade. A este ponto já devem estar, de fato, mortos. Depois de algum tempo, a Sociedade foi dissolvida. Alguns membros foram pegos e mortos pela Inquisição, enquanto outros, como o próprio fundador, nunca foram encontrados. A Associação, então, deu o caso como concluído, apesar da falta de resolução, e ele foi esquecido. Isto é tudo.

- Entendo... – eu também mirava uma nuvem, pensativa – Quantos dias levou, papai?
- Alguns. Talvez uma semana ou duas. Muita informação espalhada e perdida. Mas foi divertido.
- Obrigada... – eu sussurrei, com um sorriso nos lábios. Ele sorriu de volta, amável.
- Tudo pela minha menina. Mas agora... Que tal comermos? Sra. Hauss?

Meu pai acenou para a entrada da casa, se dirigindo à senhora que trabalhava em nossa casa. Ela e o marido ajudam com as tarefas, e estão conosco desde quando eu era pequena. Ela se aproximou da mesa.

- O almoço está pronto, Sr. Wolff. Posso trazer? Oh, Sophy. Tudo bem, querida? A luz volta a este lugar, sempre que você está aqui.

Ela sorria para mim, visivelmente contente pelo meu breve retorno. Retornei o sorriso.

- Obrigada, Sra. Hauss. Eu estou bem. Creio que a senhora e o Sr. Hauss também estejam bem, não? Eu agradeço por cuidarem de meu pai em minha ausência.
- Nada do que agradecer. Está tudo bem, sim. Trarei a refeição, certo?
- Claro. Obrigada de novo. E chame o Sr. Hauss. Vamos todos almoçar juntos.

Ela balançou a cabeça, em sinal afirmativo, fez uma mesura, e, com um sorriso, foi até a casa. Um minuto depois, ela estava de volta, arrastando um suporte com bandejas, com a ajuda de seu marido.

- Como sabíamos da vinda de Sophy, preparamos quiche de alho poró e tomates secos. O queijo é mussarela de búfala fresquinha.
- Obrigada! – eu agradeci imediatamente, um sorriso largo no rosto. Era meu prato predileto.

Ela pôs a bandeja com a quiche na mesa, sorrindo, e em seguida colocou também as de salada e carnes. Os pratos e talheres foram postos por um relutante Sr. Hauss, que insistia que eles não precisavam de ajuda, pois era o meu dia. Do que exatamente eu não sei. Talvez fosse porque estavam com saudade, mesmo sendo gentis quando eu ainda não havia partido, também. A diferença é que agora não me deixavam ajudar em nada, o que me incomodava um pouco, já que eram quase como avós, para mim.
O almoço foi agradabilíssimo. Eu contei como estava sendo a experiência trabalhando fora, além de todos rirmos bastante com a timidez de Mikhail, diante das perguntas terríveis que meu pai lhe fazia, das quais a mais leve foi “O que você fez com ela no primeiro encontro?”, seguido por um “Recomendo cuidado ao responder, ou cabeças irão rolar pelo gramado...”.
Depois disso, fui apresentar o resto da casa ao nosso convidado, que já havia retomado o branco original de suas bochechas. Ele ficou absolutamente maravilhado com os móveis e o lustre de cristal na sala, tudo de decoração muito refinada. Mostrei também o meu quarto, que possuía uma pequena varanda, atrás de cortinas brancas até o chão, que dava para o gramado à frente da casa, onde tínhamos almoçado.
Em seguida, mostrei o restante do terreno ao redor da casa, o que incluía a macieira, em cuja sombra eu usualmente sentava pra ler. Sentamos um pouco naquela sombra, olhando o sol se por, os raios alaranjados tingindo de vermelho as folhas das árvores, e a mão de toque quente a suave de Mikhail sobre a minha. Eu me sentia em paz.

- Sophy... – ele começou, com uma expressão pensativa – Eu estou gostando muito de estar aqui. Tudo que a cerca é tão perfeito... Mas tem algo me preocupando...
- Sim?
- Como vocês fazem com relação ao senhor e senhora Hauss? Eles não são humanos normais?

Ele realmente não esquecia nenhum detalhe, e isso era algo de que eu gostava muito nele.

- Eles são, de fato, humanos normais. E escolheram por conta própria trabalhar aqui, mesmo sabendo de tudo. A neta deles, uma jovem de mesma idade que eu, e que também perdeu os pais, foi atacada por um level E... Meu pai a salvou, mas parecia tarde demais, ela havia perdido muito sangue. Então, eu me ofereci para dar um pouco do meu, já que isso a ajudaria a se recuperar. Era a única chance. Eles me tratam como a segunda neta deles até hoje. Artie está na Inglaterra, agora. Ela trabalha com farmacêutica. Os avós dela se mudaram de vez para nossa casa quando ela viajou a pedido de uma grande Companhia. Eles são leais, então, está tudo bem.

- Entendo... – disse meu namorado, com um sorriso doce nos lábios.

O tempo sempre passava incrivelmente rápido, quando estávamos juntos. Em pouco tempo, já era noite, e decidimos voltar para casa. Meu pai saíra mais cedo, fora resolver alguns problemas na Associação, e talvez ele já estivesse de volta, assim, jantaríamos juntos. Assim que entramos, minha suspeita se confirmou. Ele estava sentado à mesa, apenas esperando, e sorriu ao nos ver.

- Estive esperando, meu pai – murmurei, suave.
- Eu acabei de chegar. Bom, o que acham de irmos jantar? Os Hauss deixaram um bilhete dizendo que já comeram e foram se deitar, para que não nos preocupemos.
- Claro – respondi.

Mikhail puxou a cadeira para que eu pudesse me sentar, e eu agradeci a gentileza com um beijo em sua bochecha. Em seguida, sentou ao meu lado. Papai sentou de frente para nós. Ele tinha uma expressão séria no rosto.

- Antes de jantarmos... Tenho um assunto de suma importância a ser tratado. Algo muito sério.

Ele olhou diretamente para nossa visita, que tocou minha mão, embaixo da mesa, com uma leve tensão. A gravidade era evidente no rosto intimador daquele que me criou.

- Mikhail Kreuz... – começou, solene – Para quando pretende marcar a data do casamento?


O silêncio tenso que se seguiu foi resultado do rosto chocado do pobre convidado. Eu fiquei inicialmente surpresa, mas depois entendi a brincadeira. Resolvi entrar no jogo também, fingindo esperar por uma resposta positiva. Mikhail apertou a minha mão. Finalmente, conseguiu pronunciar algo, as bochechas começando a corar.

- Ca... Casamento?
- Mas é claro – meu pai falava como se estivesse tratando de algo absolutamente natural. No momento seguinte, fez uma cara de desaprovação – Ou será que não tem boas intenções? Por acaso não ama a minha filha?

Eu o olhei com tristeza, enquanto ele afrouxava o aperto em minha mão.

- Você não me ama, meine lieben...?
- S-sim! Eu a amo... muito...
- Então, por que não quer casar comigo...?
- Eu não vou perdoá-lo se estiver enganando a minha filha... É a única pessoa a quem eu amo, a mais preciosa para mim. Se a fizer sofrer...
- N-não! Eu não quero que a Sophy sofra, nunca! Ela... também é preciosa pra mim...
- Então por que tanta hesitação? Case-se com ela!

Eu sentia que ele estava realmente tenso. Será que estávamos exagerando, pressionando tanto por causa de uma brincadeira?

- Vamos! Preciso saber a data, para começar os preparativos. Isto é, se você vai realmente casar com ela.

O momento a seguir surpreendeu tanto a mim como ao meu pai. Mikhail fechou os olhos, respirou fundo, e depois encarou o hunter, os olhos sombrios e incisivos.

- Muito bem, Sr. Wolff... Qual é a melhor data para você, Sophia? Porque as alianças eu já tenho guardadas, só esperava pelo momento propício! - Bateu com as palmas das mãos na mesa, se levantando, intenso como nunca o vira - E eu exijo a melhor igreja para a cerimônia, tudo o que estiver ao alcance dos mais belos sonhos de Sophia. Quero um coral cantando, e pétalas de rosas vermelhas espalhadas por todo o chão da catedral... Laços de seda também ficam bonitos. Quero uma festa simples, apenas para alguns poucos convidados, mas tudo perfeito, como a minha nobre noiva merece... O que acha disso, Sr. Wolff?

Eu tive de me recostar na cadeira, não muito diferente do meu pai, surpresa demais para esconder. Onde estava, naquele momento, meu tímido e quieto Mikhail, que agora esboçava um sorriso no canto da boca, o olhar ainda fixo em meu pai?
Eu apenas sorri, depois de algum tempo, e disse para esquecermos o casamento por enquanto. O mais imediato era jantar. E assim foi feito, apesar do silêncio estranho em que jantamos.
Depois do jantar, cada um foi para seu quarto, organizar tudo para dormir. Já passava das 22h quando eu pus um bilhete por baixo da porta do quarto de meu convidado.

Era uma linda noite, e a lua cheia brilhava no céu, iluminando tudo do lado de fora. Eu fui ao terraço. Fazia tempo que não tocava meu piano. Comecei a tocar Chiaro di Luna, de Beethoven, enquanto esperava. Em pouco tempo, ele chegou. Vestia roupas brancas e leves que, de alguma forma, combinavam com o ambiente, e eu sorri, me levantando para falar com ele.

- Sophy... Que linda, a música... E você... Está linda, também...
- Obrigada... Se quiser, posso tocar mais, depois. Mas agora... eu quero que me fale algo.
- Sim, querida?
- Aquilo que você falou no jantar... Você estava... falando sério?

Ele sorriu, terno. Se aproximou, e tomou minhas mãos nas suas.

- Eu estava, querida. E isso pode provar o que eu disse...

Ele tirou do bolso, com uma das mãos, uma pequena bolsa de veludo carmim. Desfez o laço que a fechava, e pôs uma de minhas mãos de palma para cima. Virou a bolsa de cabeça para baixo, e, por um segundo, eu não consegui respirar. Não com o que via ali. Eram dois anéis. Duas alianças prateadas, com uma pequena safira azul em cada uma. Brilhando ao luar.

- Estive guardando com cuidado. Eram de meus pais, mas, no dia do acidente, eles não estavam com elas. Por alguma razão, minha avó diz que deixaram para mim. Podem não ser as mais bonitas, mas o valor delas, para mim, é imenso. Decidi que só as usaria quando achasse alguém especial... A pessoa mais importante para mim... E que só as mostraria quando tivesse certeza da minha decisão... Quando fosse o momento certo...

Eu me senti corar levemente. Estava, novamente, surpresa.

- E-elas são... Lindas... Mas... a pessoa certa? E o momento certo...? Quando é que...?

Ele sorriu, e acariciou de leve meu rosto. Tinha uma expressão suave e amável.

- Que tal... Agora?

0 comentários:

Postar um comentário