segunda-feira, 8 de março de 2010

Crônica #28: Fading Memories

E aí galera! Mais um capítulo, este por acaso já estava pronto, eu apenas acabei não postando, por conta de uns problemas aqui em casa (reforma faz uma bagunça... x.x)

Enfim, fiquem com mais esse pequeno rabisco deste que vos fala! =**


Acordei mais cedo do que previra, ainda durante a noite. Nenhuma claridade entrava pela janela, e eu fitava o teto, esperando que o sono voltasse. Tarefa que logo se tornou impossível, minha mente trabalhando da maneira que estava. Não conseguia parar de racionalizar, tentar encontrar um dos muitos “porquês” que acumulávamos desde o início da viagem.

Pensei em ir ao quarto de minha noiva, porém acabei preferindo esperar a manhã, e deixar que pelo menos alguém dormisse tranquilamente. Passei a caminhar, de um lado ao outro, no escuro quarto. As horas transcorreram rápido, e quando percebi, uma faixa dourada cobria o horizonte. Sua luz logo invadiu meu quarto, timidamente, e eu me arrumei para o dia que nascia.

Quando o sol já ia alto, bati na porta de Sophia, que prontamente atendeu. Beijei-a suavemente, desejando-lhe um bom dia. Ela sorria pra mim, porém sentia um certo distanciamento. Preferi não perguntar, deduzindo ser por conta de todas as coisas que aconteceram. De fato, até eu mesmo estava cansado, transtornado, porém ainda assim, muito curioso. Descemos ao grande hall, para o café da manhã.

Christian nos aguardava na sala de jantar, austero e pleno, como de costume. Roberto se sentava à mesa com ele, e quando cheguei com Sophia, conversavam amenidades. Aparentemente Roberto também não dormira bem naquela noite. Ao nos cumprimentarmos, sentamos à mesa e nos servimos tranquilamente, até que nosso anfitrião disse:

_Sei que todos têm assuntos a esclarecer comigo, porém eu gostaria de falar com cada um de vocês em particular. Hoje vou começar com o jovem pesquisador, Roberto._disse ele, apontando para Andolini, que aparentemente, estava radiante.

Sorri e assenti para ele, apesar da crescente ambição em meu peito. Me sentia estranho, com uma inveja súbita. Porém, mesmo assim me contive, pensando na possibilidade de se mais um teste de Rozenkreuz. Então apenas calei-me diante de sua escolha. Christian prosseguiu, talvez percebendo meu desconforto:

_Mikhail e Sophia tem o dia livre. Fiquem a vontade para conhecer a casa, apenas evitando entrar em meu laboratório, por favor. Qualquer dúvida, deixo Elizabeth à disposição de vocês. Agora, se nos dão licença...

Levantou-se e saiu corredor afora, com um satisfeito Roberto em seus calcanhares. Dei de ombros e saí com Sophia, para o único lugar que nos interessava, ali: A biblioteca de Christian. Pedimos a Elizabeth que nos levasse até lá, e começamos então a buscar indícios que expandisse os rumos de nossa investigação. Não sabíamos, porém, o que procurar.

Em algumas das prateleiras havia livros religiosos, desde o Sefer Yetzirah, da Kabbalah, até a Bíblia sagrada, em diferentes idiomas e interpretações. Em outras, compêndios e tomos de manifestos sobre política, filosofia e religião. Desde Marx e Platão até Charles Manson e Alester Crowley, a biblioteca parecia se estender por toda a história da humanidade.

Avaliando os livros de certa prateleira, Sophia pareceu intrigada, e me chamou. Lá, percebemos, todos os livros possuíam uma mesma caligrafia, rebuscada, bem feita. Atendo-nos ao conteúdo, encontramos apenas um assunto: Alquimia. Desconfiados, deitamos no chão da biblioteca com alguns livros daquela prateleira, pegos a esmo, e passamos a estudar seu conteúdo.

_É estranha a diferença do discurso com a aplicação. Veja este, por exemplo: “Imagine-se com a capacidade de moldar o mundo a seu bel-prazer. Esse é o objetivo da alquimia, tornar-nos mestres da realidade, através da fé e do aço, através do fogo e da água. Cultivar a ciência sagrada, a fé maldita. É para isso que existe Rosa-Cruz. Trazer de volta à luz o conhecimento enterrado pelas novas crenças. Recuperar o poder puro, colocando-o em harmonia à natureza. Rosa-Cruz é permitir, iluminar, tornar a unidade em todo, e o todo, em unidade.”_recitou Sophia, grave._Bastante messiânico, não acha?

_Sim, mas contradiz a prática desse outro livro. Este parece ser o resultado de alguns dos testes feitos por ele. Trata desde fontes de energia completamente limpas e construção de grandes edifícios apenas com o poder da alquimia, até os protótipos de... vida! Isso é “moldar a realidade a seu bel-prazer”, mas vai contra o “poder puro, em harmonia a natureza”._fechei o livro, sentindo uma terrível aversão do processo descrito nas páginas daquele volume. Sophia parecia igualmente chocada.

_Criar vida a partir do nada. Isso é tão errado, em tantos níveis...

Afaguei-lhe os cabelos suavemente, beijando sua fronte. Todos aqueles excertos de experiências e teorias foram, pouco a pouco, adquirindo um tom cada vez mais contraditório e nojento, ainda mais quando se tratavam de experiências com humanos. Mudamos os tomos, procurando algo menos terrível.

_Querido, creio ter encontrado algo relevante aqui._disse Sophia, quando o Sol já ia alto. Fechei o livro que folheava (e que descrevia experimentos com a Kabbalah judaica, unida à alquimia convencional), e me aproximei, para ler junto de Sophia, quando ela começou a recitar:

“16 de março. O arcebispo enfim juntou-se a nossa causa, e em nosso primeiro encontro, entregou-me os 3 manuscritos apócrifos que tinha em sua posse. Parecem-me legítimos, pois possuem o selo do Índex, prova da proibição papal. Velho idiota, sempre tentando tapar nossos olhos para a verdadeira iluminação.

Pois bem, como esperado. Um grande sacrifício é exigido para a concretização de um grande feito. Porém, é preciso ser testado. Vou convocar uma assembléia, e conseguir alguns “voluntários”. Creio que com esse experimento, estarei ainda mais próximo da Luz à qual anseio.”

_Não pode ser, Sophy... É um diário pessoal! Deixe-me ver, algumas páginas adiante.

Folheei o livro, parecendo que enfim encontráramos algo relevante. Parei em uma página a esmo e comecei a ler, em um semi-sussurro:

“28 de Outubro. Então, é pra cá que todas as rotas apontam. É uma pena que após tanto tempo de procura, seja esse o resultado de minha pesquisa. Sinto o cansaço pulsando em minhas têmporas, acredito não haver muito tempo. Eu prometi, quando era jovem e ingênuo, e essa promessa eu devo honrar, acima de qualquer outra. Foi para isso que criei a Rosa-Cruz. Foi visando o resultado dessa equação que dediquei tudo, e sou capaz de sacrificar tudo. Em breve, serei o mestre de meu destino!”

_Deus, isso é doentio...

Assenti, concordando com minha noiva, enquanto pulava para a última página escrita, como se soubesse de cor o seu conteúdo. Recuperei o fôlego, e prossegui:

_“17 de Dezembro. Hoje é a grande noite. Amanhã pela manhã, não haverá obstáculo capaz de me deter, nunca mais. A partir de amanhã, que seja feita a Minha vontade, para todo o sempre.”_ao completar a leitura, minha cabeça girou, com imagens difusas saltando e se perdendo, à meia luz. Um líquido misturado ao chá, um corpo sendo arrastado. Uma exclamação de surpresa, um par de olhos desesperados. Uma faca ensangüentada, um gemido de dor. Um esgar satisfeito. Luz.

Acordei ofegante, no chão da biblioteca. Minha noiva me abanava com um livro curto. Olhei para ela, enfim compreendendo, e exclamei:

_Dia 17 de Dezembro. Foi a noite em que ele matou Laura!

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